domingo, 20 de dezembro de 2015

Fiat voluntas tua

Seca a glória amortecida
O que te parecia amor
Hoje me é doença
Como poderia não haver terror
em tanta dependência?

Queria te completar
Mas como poderia eu, parte dividida
Única matize esquecida
Fazer figura fina
na luminosidade do vitral?

Como poderia eu
Várzea sem nutriente
Rio sem correnteza
Terra sem nível
Fazer margem para sol poente?

Seria eu, teoria sem prática
Noite sem luz
Escape sem direção
capaz de achar interseção
entre a bestialidade dos seus sentidos
e a porosidade do que te mata?

Ainda que nula
estaria a par
de tamanha contenção
sendo vista
e sendo chão
Poderia eu, mesmo te odiando, te amar?

Poderia eu, mente que surta
Veio que apodrece
Corpo instável
Doce não palatável
Ser em mim barco
E fazer uma casa no mar?

Se meu mal, paz
Se meu dentro, caos
Se meu eu, nau
Você,porto de pedra
Ponhamos corda, muro e seta
A vela não mais desgovernará

Apenas circunstância
Apenas acaso
Corredor sem porta
Caco com ponta, estilhaço
De mim que diz querer apenas um pedaço
Não percebe que enquanto usa, sabota?

Sem eixo, desconhece as bordas
Alisa o vinco que se forma
Afina a lima que me fere
Alcança a serra que me corta
E eu, toda cega
Desmerecida
Sem destreza e maestria
Permaneço descascando a ferida

e ainda devota

Conseguiria eu, crime inafiançável
Praga mal dita
Cola sem validade
Gosma que desliza
Convicção desvalida, ainda poderia
Eu, que no final de seu juízo, ré
Achar praia para minha maré?

sábado, 12 de dezembro de 2015

Deserto

Para me proteger da seca de sentido
Construí pra mim um poço de vazios
Joguei nele algumas esperanças
E pedi de olhos fechados que certas certezas fossem embora
Fiquei olhando para os lados e para cima
Para dentro, mas a viagem não tem fim
E quando passa a euforia, é só tormento
Como barquinhos que se molham e desmancham
Ao serem levados desamparados com a correnteza que não tem finalidade
Tentando não ser igual
Mas também não mendigar diferença
Produzi detalhes que não tem sentido e também não são notados
Papéis rasgados e queimados
Intenções sinceras e argumentos fracos
Nada escapará à desambiguação
À insignificância
À inotoriedade
Somos só crianças em envelhecimento
Corpos vivos mas mentes em esquecimento
Nós somos só belas tentativas
E na maioria das vezes, falhas
Somos choro à noite
Somos a vontade de desaparecer
Eventualmente
e sempre
a vontade de morrer
Porque nos dizem que vivemos para a felicidade
Mas vivemos para superar a desesperança
Para fazer personagens
E comparecer a peças diárias
Onde o distraimento do vazio que se sente é a única recompensa
Vamos todos os dias
Alheios à própria especificidade
Ilesos
Porcos pro abate
Fazer poças de lucro
E depois tentar se afogar nelas
Que bela sensação de torpor
Mas não há alento
A dor que sinto vem de dentro
É inexorável
Irremovível
Intransponível
Sem ela não há nada
E com ela no corpo, por aí, fazemos tudo
Não se sabe dela
Não se cabe nela
Como um sórdido mistério
Fogo que arde e não se vê
Mas ferida que dói e se sente
Dói dos olhos até os dentes
É fonte da qual se vem
Forte através do qual se defende
Cova na qual se deita
Para esperar o beijo final
O abraço de apaziguamento
Com sorriso nos lábios
O veneno
A derradeira paz
O silêncio
A água que jaz
no deserto.

Nebula

Caos engarrafado
Caco
Estilhaço
Pedaço
Pó em rotação
Poeira de outra era
Mimética
Métrica
Beleza
Profusão
Muito no mínimo
Energia organizada
Matéria enlouquecida
Esquecida
Que contamina e desliza
Destroi e cria
Morte, vida, concretiza
Possibilidades
Nos ades de luz
Verso antitético
Limbo paralelo
Universo anacrônico
Hidrogênio, arsênio, polônio
Universo pródigo
O inapreensível
O impossível

Nóz
Grão
Imagem
Presença
Desagregação
Imensidão
Ilusão?
Imersão
Comunhão
Íntimo
Infinito

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Ode à desagregação III

Vai
Antes que eu vá no seu lugar
Quero cortejar a sua amada
E fazer dela o meu punhal

Tenta
Fazer de mim trapo
Não conseguirá
Eu vou cortar a sua garganta enquanto você dorme
Quero sentir o seu último respiro
O agonizar do seu vivido
Quero a sua angústia bem de perto

Venta
Na minha alma
Se sou sua é por espírito
Por outras vias é desperdício
Somos límpidos
Amor, somos mar

Vem comigo
Antes que eu te esqueça
Não quero pedir detalhes nem desculpas
Pareço até a sua culpa
Mas vou resistir
E serei, pelo menos, o seu mal-estar

Proteja-me
Da minha própria ignorância
Da minha comiseração
Da minha insignificância
Da minha tristeza
Da loucura
Da secura
Da inquietação
Esteja comigo
Na minha dúvida
Na minha sorte
Na morte
E na perdição
Amor,
Amém.

A pele que habito

A única coisa que pediram a ela é que não fosse uma pessoa vulgar
No entanto a única coisa que ela queria era estar nua em cada dor
Agindo como se não tivesse pele
Sentindo o tempo todo e a contento para o além da conta
Sentia-se suja de esquecimento
E descrita em poucos verbos
Entristecida pela ousadia inválida de cada dia
Poderia dizer que já morria
Nem podia mais colidir-se
Não havia espaço para tanta angústia
Tentou cavar uma cova dentro de si
Para soterrar as amarguras e os pudores
Mas na terra encontrou areia movediça
Afundou-se na própria desgraça
No lamaçal empoeirado
Não sabia mais se era dia ou era noite
Sentia as pedras nos pés descalços
Tentava dançar uma música sua
Mas tinha perdido o compasso
Tentava vestir roupa que não fosse imunda
mas já não sabia dizer das cores
Queria alma que fosse sua
Mas não vivia mais de amores
Dizia alto que era pra espantar o azar
O nome de todos os seus fantasmas
Pedia em silêncio misericórdia
Da sua discórdia
Da vontade de servir
À nenhuma verdade
Pedia em desalento
Sustento
Do seu fardo
Carga
Cruz
Cruzada.

sábado, 5 de dezembro de 2015

Pilar

Amor raro,
Terra que avisto,
Firme desembarque.
Como das Índias,
Rara especiaria
Cravo-e-canela.
Doce amargo.
Seus olhos,
Olhos que quero,
Olhos que cercam,
Afirmam,
Envolvem.
Olhos que fogem
Ou procuram saída
Para afirmar-se no quase,
Provável,
Talvez.
Afrouxa as amarras,
Corre pra longe,
Olhando de Jupiter.
Instinto fulgaz
Procurando os opostos,
Revezes,
Contraditórios.
Você como ponto,
Contrapondo-se
Em paralelo,
Aos avessos,
Eu espero.
Por você,
Uma prece:
Que longínquo seja
O meu sorisso
Ao anunciar-se
A melhor presença,
Brinda minh'alma
À sua, amor
Em essência.

domingo, 29 de novembro de 2015

Lua de fel

Esconde-se tanto
que não te vejo todo
Parece-me antes, toldo
Escolho-te como desafio
E não como opção

Do seu gozo alucinado
Bebo louca
Na sua boca
O gosto difuso
do querer e do afastar
ao encostar
o meu desejo na sua cintura
vilipêndio do seu espaço
cercado
minúcias
desmantelamento das defesas
e ainda tentando passar o mar pelos seus fiordes
ainda tentando ver chão nas suas águas

Abraço-te inteiro
Sentindo sua censura
Amo-te em desesespero
E sabes que não sou sua
Inteiro
Despedaço
Novelo
Desenlaço
Costura
Afrouxo
Minerva
Nirvana

Afirmo-te
Sem jurar
Que entre as esperas minhas
Não está
Esqueço-te em vigília
Pra de noite te lembrar
Faço uma ou duas orações
Antes de te encontrar
Pra ver se na terra do meu desejo
Você pode fechar os olhos e esquecer de si
Quero te fazer meu ventríloquo
Te suprimir
Meu mímico
Parte de mim
Objeto e fonte
do meu desejo

Se te toco em insistência pura
Sou alma que apavora e assusta
Se te cubro de possibilidades
Vê-me mal, duvida da minha verdade
Só te pretendo em dúvida
vastidão impensável de contrastes

Pelos meios não vemos se há altura
E se saída, não cruzamos olhares
Queria-te como uma prosa
Mas só te tenho enquanto filosofia
Guerra invencível que luto
Pilhando o tempo
Queimando as horas
Procuro ver-lhe os olhos pela armadura que veste
Mas não me obedece
Sobe o escudo e protege-se
Não sou soberanda no seu império

A falta de destreza
Estranha
A disputa em que acredita
Estraga
A melhor face
Oculta
A mina não é de ouro
é carvão
Carbono em desorganização
Essência mínima empertigada em sopro
Mas não sabes moldar
Tenha a ti mesmo
Ou nunca nenhum de nós te terá

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Fantasística

Sempre caindo
Sempre pendendo
Habitando os ares
Sendo em movimento
E, mesmo assim,
morrendo.

Acendo a vela, rezo
danço e insisto
Sou do mundo que avassala
Sou da voz que me submete
Sou do corpo que me protege
E uso, discurso,
Confesso
Confusa
Sou humana, do ventre
da mãe, mas não sou ala
Sou filha e sou memória,
Sou incerta
Sou discórdia

Nunca pelo desvio
Sempre pela promessa
Às vezes pela rédea
Hoje pela metade.

Se de tão fina lisura
entrego as mãos em cortesia
visto em tinta, pó e listra
Fantasias de que sou lisa, lira e lua
Mas ponho-me a suspeitar,
enquanto afago a boca cheia de dentes,
que não sou alma pura
Escuna torta, não barco de fuga
Sombra no canto da porta
Sobra na soma das notas
Anseio no contento
Ensaio
Por trás, tiras
sofrimento
do plantio sou
mas em aparência, lodo
me esfumo nos cantos
com soslaios de mim.


domingo, 22 de novembro de 2015

Diálogos do submundo

O tempo, esse velho astuto e rude, me deixou com a garganta seca. Eu tentei respirar fundo, prender o ar por alguns segundos e depois soltar, vagarosamente. Infelizmente, imersa na realidade. Tudo que tive foi aquela Frida me dizendo o que fazer. Deixar pra trás e seguir, é o que todos fariam. É o que se deve fazer. Sim, claro. Elementar, não fosse a lei independente que rege um psicológico meio fodido de tempos em tempos. Eu quase não tive coragem de dizer algumas verdades pro espelho depois que tudo passou. Eu sempre achei que apontar os erros com o indicador imperativo fosse uma estratégia eficiente de atentado ao pudor da sanidade. Não funciona realmente. Veja bem, o que acontece é a abertura de uma fresta por onde espreita a Urgência, esse bicho que insiste em se portar como uma úlcera.
A verdade é que eu tentei fugir de várias maneiras, mas eu nunca me deixei escapar pela janela do ônibus, aquela greta por onde você baforava a fumaça do seu cigarro. Eu quis me disfarçar de ponto cego pra você tropeçar na rua e quebrar um dos tripés da sua vida, eu só não consegui ser tão má. Eu não sei o que me faria sentir mais viva: espalhada fumaça cinza em seus pulmões ou usar aquela fantasia pra qual você não suportaria olhar. Em vez disso, eu me fiz sem face, sem nome, sem endereço. Eu morri e nem sei em qual mês.
Hoje remendada, pouco menos que a falha. Hoje eu tento me afogar em qualquer teor alcoólico meio raso, pra poder sentir o estrago aos poucos. Hoje eu me fiz de boba, usando aquela camisa desabotoada na gola, por onde escapa a falta de ar. Hoje eu sou falta de foco, falta de colo, hoje eu sou par de meias inutilizáveis pela posição fetal exigida pelos músculos, que preveem uma atrofia generalizada da vontade. Hoje eu sou pó, nem lembrança. Hoje eu sou a voz sussurrando perto do martelo pra fazer ritmar contrações involuntárias de pêlos periféricos pelo corpo, o qual um dia pôde ser realizado por uma experiência quase concreta.
E é tudo, eu durei enquanto prestei. E foi pouco. Não mais que noites de um verão qualquer. Eu quase me devorei na órbita do seu umbigo. Eu deveria. Como eu poderia saber? A verdade é que, nesse jogo, você se engana ao pensar que saiu ganhando. O tempo dobra a próxima esquina, você ainda se deparará com a pressa falida e cega. A culpa também foi sua. E não adianta assobiar alto, o perigo tem bons ouvidos. E contra nós, meu caro, você é o pior inimigo. 

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Death

Acerca do sim,
Mais afastada:
Dá caneta à navalha.
Não queria pôr fim,
Não queria, por fim,
Ao que restava:
Arremedo de vida, de menina.
Mas via-se obrigada.
Adiantada, dava adeus
Aos anos espalhados,
Aos ventos jogados,
Enquanto virava pó,
Desejando ser a ressaca
A ser consumida, experimentada,
Ao menos,
Existente naquilo que te mata.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Breu

Acabou a luz
Desligou-se tudo.
Só há eu e o escuro.
Como vou saber que não estou morta?


Pangeia

Procurei o seu beijo
Como se ao encontrar
Fosse fixar casa na lua
Fosse encontrar saída pro mar


Zeppelin

Passei os olhos por seu corpo
Assim como passo as mãos pelo rosto
Quando você me agustia


domingo, 8 de novembro de 2015

Rotação

O que muda,
Mudo mundo?
Quando muda
O mundo meu
Que, mudo,
Muda o seu.
O mundo de mudanças
Que faz o meu mundo mudar
Quando muda o seu mundo,
Fazendo-o girar.
O mudo mundo seu
Que muda o mundo meu,
Que, mudo, se aproxima
Transmitindo mudanças,
As mudanças mundanas
Que mudam caladas
Os mudos mundos mudados. 

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Bento

I
Foi pouco até perceber
Que era pouco o tempo
Que tínhamos,
Do qual dispúnhamos.
Foi pouco até perceber
Que são lindos,
Delirantes,
De ressaca, os olhos seus.
Dos quais os meus se fizeram fãs,
Um par.
Foi pouco até perceber
Que é fogo
O ar que buscamos
Um do outro,
Respirar.
II
Mas não,
A embriaguez não é como a morte.
A embriaguez de ver-te, pelo menos,
Requer que vivamos mais.
Encerra-me no agora,
Delirantes toques tépidos,
Vagando pelas nossas mãos,
O desejo.
Não diz que basta,
Pois não.
III
Cala-te, Ouçamos
A voz da vida,
O som da vontade.
O meu coro,
O meu corpo,
Sóbrios
Ao dizerem
Ao chamarem por você.
IV
Como pôde acreditar
Que não seriam meus
Os beijos lançados?
Eles foram alcançados.
E foram quase salvação.
Vou, porém, livrar-te deste fardo.
És culpado apenas
Pelos sorrisos,
Não pelos desequilíbrios.
V
És um minuto a mais,
Um vacilo do caminho
Para o lado esquerdo
Da encruzilhada.
És navio de partida,
A quilômetros da chegada.
És tanto, que faz transbordar.
Porém,
És falta também,
Não faz saciar.
VI
Excêntrico eixo de desordem
Da Terra aonde quero girar,
És feito o disparo da ordem,
Caos em que quero penetrar.
És transgressão, e nela,
Dois mundos,
O meu e o seu.
Dispararam,
Tornaram a divagar,
Perdidos, o encontro.
Por enquanto,
Por hoje,
Eu quero ficar. 

Via crucis

Antes quando te via era regozijo
era sonho e era valsa
te via e era festa
era saldo
te via em sintonia
antes quando te tinha
era sombra e era gozo
era meu e era nojo
era vida e não sabia
andava em fantasia
esquecia meu nome
desvencilhava
os seus braços dos meus anseios
as suas marcas dos meus tropeços
antes não podia querer o depois
porque não te projetava em meu futuro
antes que te podia
não reparava em seus entalhes
feitos pelo tempo
feitos pelos restos de vontades
irrealizáveis, mortas, flácidas
trocando as cordas pelas pontes
não te via
antes que te continha
parecia não haver solidão
antes que te ouvia
até em pensamento estávamos caindo
mesmo quando a inércia dos nossos pedidos
faziam problemas virarem vultos
nos distanciamos
nos colocamos nos vértices
sua borda esqueceu dos pontos
minhas linhas transportaram outros recados
agora sou fã dos desarranjos
mas não mais vivo deles
agora sou o depois que não pensava
sou o nada que se continuou
sou proposta que nunca chega
e ainda tormento de madrugada
insone e calada
falo só para dentro
para acalmar as loucuras e os intentos
penso em arritmia
não sei concretizar essas maneiras
penso em várias direções, nenhuma toma reta
ando insatisfeita, não sei mais me dizer
nunca soube e achava que podia
não há antes no que se conserva em amor
pois este fermenta todas as coisas até elas serem outras
a ponto de se perderem em ranço doce
ou azedarem em vinagre frio
não há antes no que se conserva em confusão
tudo vai se tornando móvel
a polia que puxa as cordas se desgasta em tanto faz
as normas não mais encaixam
as forças não mais empurram
quem é que segura os nós
quando o demônio sai da caixa?

Nem eu

Vou te cercando pelos poucos espaços do campo minado
Sem você perceber
Da sua vela fraca eu faço luz
e nos seus soluços encontro fonemas
Afino o meu beijo no seu
Quero te ter para lhe dilacerar
Tomar o meu corpo no seu
Colar a sua angústia na minha
Pra que em desespero ou tristeza
Sejamos um só.

Que quero me vingar já sabes
Acordo todos os dias em franca agitação
Te procuro por entre sons de olhares trincados
Sentimentos entrincheirados
Por entre ventanias que levam de volta o que eu achei ter conquistado
Por entre os meus detalhes tão mornos que não os quer para ti
Tomarei teu corpo em pecado
Te fatigarei
Daí você verá loucura, lascívia, maldade e rubor
Verás todo o ódio, o tornado, o transtorno, o indomável
Te cortarei, amor, em mil pedaços
E com alguns deles partirei
Te deixando sem completude, sem junção e sem reposta
Te deixarei em vários cacos
Quero carregar comigo sua alegria
Sua simpatia
Até sua vergonha, se me permitir
Vou levar pra mim o que não te torna mais humano
O que te oprime enquanto gente
O que não te pertence
Não te torna
Não te faz
Levarei comigo as suas negações
Os seus embaraços
Dormirei vestida com os seus retalhos
Vou me transmutar em uma nova versão de nós
Em que sou um pouco de você
Você não mais me reconhecerá
Nem eu.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Nome próprio

eu tenho medo de largar sua mão
e simplesmente me despedaçar
da última vez doeu tanto
que eu mal pude me refazer
tenho medo de me perder andando sem rumo
e de não saber diferenciar o belo do incerto
tenho medo de cair
e de não conseguir discernir os seus olhos oblíquos e diagonais
das pontas de agulha
dos metais aquecidos
das bordas infinitas
que não caem nem se vão

você viu quando eu caí?
ouviu quando eu gritei? Você dormia na penumbra
você não sabe o quanto quis morrer
por vê-lo continuar
caminhar por entre os outros
dobrar a esquina
se afastar
Como se não tivéssemos sido nada
um pro outro
ou como par
nem um amor
nem um desgosto
eu ainda sinto as suas mãos nas minhas
eu ainda sinto esboço do seu cheiro
indo
mas não se esvaindo
morrendo na distância
vivendo em meus espaços

eu ainda sinto a sua falsa inocência
a sua ironia disfarçada
sua boca fechada
seu esquecimento, sua falta, sua ilusão
o seu desdém, seu fel, meu chão
sinto seu riso
ecoando disforme e sádico
em minha cabeça
em minha desgraça
em minha fraqueza
sinto a cadência em seu desprezo
sinto o seu estreitamento, sua impossibilidade, sua confusão
seu desleixo, seu perigo, sua posse, meu nada

sinto
o meu descuido, meu medo, meu excesso, sua saudade
que por todas as vias, é minha
não há mais meio
insanidade
minha doença, minha vontade, sua ausência, o meu espaço, seu corpo
que ansiei que fosse meu
e minha fuga, como não há rotas, acabo imóvel
escondi seu endereço pra não te achar
desencontrei seu rosto quando vi inexpressão
jogo da forca, as letras não formam saídas
os erros matam as esperanças
desmembram as evidências
desidratam o frenesi de cada memória
não posso mais te assustar
nem estar no desafio do seu rosto
não sei mais por onde tentar
me proponho te esvaziar
matar você enfim
desfiar
a corda que você botou em mim
acordar
desse desespero
ordenar de novo aquilo que foi um dia motivo
quero apagar todos os afetos
quero poder te chamar de fim

*Texto de Gabrielle Torres e Drielle Barbosa

domingo, 18 de outubro de 2015

Órbita

Ao que hesita mostrar
Estarei na soleira do teu desejo
Esperando permissão para entrar

Satânicas

Eu gosto de brincar com fogo
pra ver se aprendo a apagar
Os incêndios
dos nossos
pensamentos.

Polia

É muito incômodo tentar te entender
Hoje não te quis
Amanhã te desprezarei
Quando quiser alguma coisa me diga
Porque cansei de perder
No jogo de adivinha

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Âncora

No querer,
Isolava-se.
Mas, separada,
Não cabia
Em si.
Esvaía-se
Sempre que tentava
Ser alguém
A quem não via.
Era pouco
E sabia.
Era mar
E não continha
Tudo que a espremia.
Era o quase
E naufragava
Ao avistar
Os portos
Onde não ousava

Ancorar. 

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Eco II

Se as palavras que eu pronuncio
Me dissessem de volta
Os porquês de estarem sendo soltas,
Desconexas da sua realidade,
Naufragadas e encerradas 
Em um copo sujo de veneno:  
Véu que evita a cegueira
Por tanto enxergar.
Se essas mesmas palavras me punissem
Por ser tola, por achar tudo lixo, baixo.
Se essas palavras se fizessem escutar,
Gritando pra mim o que eu devo saber
De verdade, sem fantasismos, em concretude.
Se essas palavras desfizessem o mistério,
Me fazendo ouvir a voz que procuro,
De onde vem?
Se essas palavras cuspissem em mim
Os seus significados, a importância.
Se elas me contassem que incrédula é a vida,
Que árdua são as horas,
Que amargos são os deus que negam as respostas.
Se as palavras que eu pronuncio
Me contassem que a dança não tem norte,
Que o par é contramão,
Que o que entregamos
Uns pros outros é o não.
Se essas mesmas palavras
Me fizessem contorcer
Toda vez que eu as pronuncio,
Talvez eu soubesse 
Que, no fim, tudo é vão.
Se elas me marcassem com suas letras,
Talvez eu pudesse apagá-las
E tentar novas,
Tentar o outro,
Tentar de novo.
Mas as palavras mudas,
Que não refletem em mim
O que penso dizer,
Só reafirmam
Que é (esta)
A voz que eu não consigo escutar.

domingo, 11 de outubro de 2015

Antivida

Nós dobramos os lençóis
Porque não há mais cama para fazer
Ou crianças para assombrar
Deslumbrei estas providências mínimas
Em sinal de respeito
Porque ando fazendo muitos poucos
Anulando várias dessas horas insípidas
Fazendo de tudo e de todos
Posses para opacar as feridas
Produzimos tão pouco que
às vezes parece que nem existimos
Estamos em quase nenhum lugar
Só sentimos culpa, precisamos de colo
Sentimos solidão, precisamos de alento
De outras pessoas, de corpos presentes
Nos nossos funerais íntimos.

Sem nenhuma misericórdia
vamos vivendo
Não existe presença nas formas dispostas na fantasia
Não existe certeza em nenhuma fresta do pensamento
Não há alma, não há amor, não há beleza
Tudo é cópia, empréstimo e utopia
Tudo se troca, se escolta e se vende
Plantamos as árvores e colhemos as sementes
Só que depois não sabemos o que fazer com elas
Já que em nós inexiste o impulso puro que é água boa
que germina as falhas
preenche os ocos
e nos torna perenes.

sábado, 10 de outubro de 2015

Arquipélago

Se isolava tanto
Que uma vez olhei pra ela
E pensei que fosse uma ilha



















foto de G.Torres

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Ela

Ficava por aí se esquecendo
Se humilhando
Velando os segredos que ninguém queria saber
Porque queria botar seus filhos no mundo
E ser preenchida pelas alheidades dos outros
Queria viver como se fosse uma coisa viva
Queria infiltrar o mundo pelas veias
Queria drogar o outro com suas palavras levianas
Mas por medo inconfesso das próprias afasias descompensadas
Instalava uma doçura paralisante frente aos limites reais
e às escadarias movidas à manivela
Andava por aí como se fosse forte
E não era nada
Perdia a compostura em cada processo
No vagar do olhar sentia-se tonta
Embriaguez provocada pela veemência da vida vivida
Altivez provocada pelo balanço nauseante dos dias
Pensava por aí como se fosse algo
Escutava aquelas músicas
E achava que assim podia sentir
Achava até que podia dançar, que podia perecer
Que seria alguma coisa
Que descobriria o nome do animal que dentro dela se detinha
Mas que arranhava das paredes vergadas o tempo todo
Com amor indecente e selvageria
Punha abaixo as estruturas que eram sobra
E desnudava certas alusões incoerentes
Desfiava os muitos véus que faziam charme à conduta
Para dar sinais que hora ou outra dilaceraria as hipocrisias latentes daqueles trejeitos
Ela não era sina
Era borda
Era linha
E sua própria alcova
Ela pedia para ser aclamada
Ela falava mas não era para ninguém
Ela nem mesmo se importava
com a vida
ou com alguém
Ela mesma não se sabia
Era profícua
Era estranha
Era esvaziada
Era inoculada pelo desespero
Era vinculada
Mas não fazia vínculos
Porque isso era penoso demais
Era ela a mesma que pedia
Era a demanda
O chamado
Era ela a cobrança
Era encalço
Era dobradura
Era massa
Era fio que tece
Pelas mãos do outro
Era necessidade
Era profusão
Ela que não se sabe
Ela que não prefere
Ela, que ainda morta diz que está aí
Ela que mesmo não sabendo, quer
Era muito e era pouco
Era para poucos
Era para saber o que fazer
Era para entender
Ela não era de se dar a esquecer
Mas esquecia
Era mesmo uma tentativa
Ela não desafiava
Era respeito
E era omissão
Enquanto bebia a água que achara na travessa
Desfilava as angústias de um corpo que não lhe obedecia
Que ia se desfazendo à medida que ela era
Ela não está aqui
Ela não é sistema
Era apenas intenção
Ela, para cada conto um beijo
Em cada vinda, um desagrado
Era incompletude e desordem
Era para mais do que devia onde não podia estar
Era só onde não podia ser
Era só para quem não devia querer
Ela, que não fazendo, só sabia desejar
Ela, que não faz fim nem nada
Se acaba
Se despe
Se firma
Em traços mal feitos
Era o tempo todo
Só tentando saber se era
Ou se tinha como ser.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Dueto

Você acredita em genius loci?
À primeira vista, não.
Mas os fins de tarde
Traem a negação
Que impõe-se como cega,
Fugindo dos sentidos
Aos quais me entrego,
Terminando em salvação.
Por seus olhos, a procura.
Dedos, toques, sincronia.
Na entrega, a ampulheta viciada
Mudando, retardando a chegada,
Adiantando a saída.
Tem sido razão, fuga,
Parada.
Tem sido saudade, desejo,
Prazer.
E porque adsumus
E folie à deux,
Sim, eu acredito em genius loci,
Você.

sábado, 19 de setembro de 2015

Anunciação

O perfume anuncia
A boa nova da sua chegada:
Inimaginável surpresa.
O crepúsculo naufraga
Na tentativa falida
De fazer semelhança
Ao rubro, ruivo reflexo
Dos cabelos
Que abraçam seu corpo.
Misteriosas sensações
Veladas, reveladas
Embaladas de calmaria.
De insipidez você se veste
Enquanto vou despindo,
Descobrindo, provando
Essência suave, leve
Cuidadosamente escondida.
Eu já escuto os seus sinais
De longe, se aproximando.
Meus olhos se alegram
Ao ver que os seus me veem
Sintonia percebida aos quatro cantos.
De lados opostos do equilíbrio
Você me mantém sorrindo.
Escapamos, fugimos
No blefe de sorte instantâneo
Dos nossos caminhos. 

Angst

Daqui, tenho pouco.
De passagem, desencontros e palavras inválidas.
Me adequando ás circunstâncias, até quando
Se assumir, se tirar, se gritar...
O que resta é fogo, inquietude, ansiedade.
É rasa essa verdade.
Tenho mais da ausência
Do tempo urgindo
Me engolindo,
Mastigando.
Deglutida, digerida.
Misturada.
Tenho mais da fuga, da incerteza,
Da contagem estremecendo meus dedos.
Considere os fatos
O (quê) do agora me pertence:
Finitude, incompletude.
No fim, sou vontade. 
Resto de possibilidades
A ponte que se faz querer
Continuar, mover.
Em busca do inexistente, inalcançável.
Tortura essencial
Que sufoca com ar
Dispensando o último suspiro.
Ainda e, por isso,

Viva. 

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Esfinge

Decifra-me ou lhe mato
por dentro
Aceite-me ou lhe despedaçarei
uma e outra vez
por noites sem fim
Escapa-me. Sou alheia à sua vontade.
Sou externa ao seu desejo
Prometo-te. E quando o faço, faço por inteiro.
Colocando a vida à prova se precisar
Estou do lado de fora
Enche meus ouvidos de silenciosos enigmas
Pisa no meu modo de manejar
Decifra-me e saberá qual é a história que quero contar
Desafio-te e nem percebe
Fico sempre na margem. Fim da fila. Longe da chegada. Cercando as bordas
Mata-me em severidade
Isola a mim e a você
Em rios paralelos
Em fortes seguros
Longe da chuva
Fingindo que se importa
Me violenta em múltiplas omissões
Me viro diante do seu corpo
Em espasmo incontrolável
Eu odeio a sua miséria
Implorando pro seu espírito
o veneno agridoce que embala esse martírio discreto
Tirando o ar com o êmbolo da seringa
que sou eu
E que todos sabem
Mas que você não deseja saber
Tira-me de suas mãos
Esquece-me
Por favor, parta
Por mim e pra você
Não elejo nenhum réquiem para nós
Não marco nossos dias no calendário
Estou sempre muito, muito longe de sentir
Alocada naquela frequência que você negligencia
Que você não visita
Não entende
Não sintoniza
Estou ouvindo a música sozinha
Não decifro-te
Não te acesso
Não lhe falarei
Achei que podia
Achei que conseguia
Achei que tinha um pouco
Mas nem no olho te recolho
Nem do corpo tenho esboço
Achei que te teria
Mas hoje nem te reconheço
Achei que te queria
Mas hoje sinto só medo.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Ello's

Aos nossos laços
Entrelaçados por tantos anos
Por tantos versos e desenganos
Às nossas almas quase livres
Queimando em chamas azuis
Ardendo, insaciáveis em obscuridade
Desmontadas, em traços finos desenhados
Confeccionados pelas tuas mãos pequenas
Construindo nosso castelo de areia
Em pilares fundamentais
Uma à outra.
Somos trocas ativas, reativas  
Aprisionadas em corpos pequenos
Contrastante espectro de cores
Da noite, início em ti.
Clareando, chega em mim
Degradê.
Somos paleta de possibilidades a serem executadas
Acontecemos sem delimitação
Concomitante difração, indissociação.
Tens minha admiração
Por teu espírito, o meu se alegra em presenciar-te.
És parte de mim, disfarçada em máscaras mil
Disposta a descobrir-te as próprias faces
Ali existentes
Maneira sublime,
Sublimada no existir.
Para sempre ello's nosso
Marcadas a fogo pelos caminhos
Caminhos nossos
Permitiram nosso ello's
Ello's de elle's
Se encontraram.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Aniversário

Olhos de gato
Puxados, são finos, enluarados
Faz-se prece na sua longinquidade
Faz-se verso com a água que deles empoça embaixo
O pensamento que vaga na orla
Não aceita submissão, não precisa de permissão, nada longe da borda
Orda
De sonhos
Desgrenhados
Estão ficando turvos com o mau tempo, mas
Não serão arrebanhados
A certeza não se perde de vista
Pois a alma que os porta é firme, mística
É leve, supõe o desnível
Veste-se de brisa, aparta a violência os encontros
Com desejo, ampara o tremor da carne
Impõe-se viva, através da incerteza
Desvia os olhos da crueza impossível dos dias
Vinga na colheita infértil da vida
Reluz em inexatidão
Que é a nota que te distingue
Ponto que te traça
Teor que te compõe
Fio que tece o desfecho
Te leva nos braços
Te solta nos existires alheios.


Por Gabrielle Torres
Para Drielle Barbosa

Idem

Eu morrerei aos teus pés quando a chuva começar a cair.
Correrei pelos corredores da sua casa pedindo morada,
tocarei o seu corpo, enxugarei na sua toalha, penetrarei na sua rotina.
Perfurarei todo o espaço vazio, musicarei o seu silêncio, consertarei o seu cansaço.
Eu andarei em círculos até que você ache uma saída.
Eu estarei olhando por você no meio da multidão, me guiarei pelo seu perfume.
Me farei de alimento para que você suporte mais uma dor.
Estarei presente na decepção de cada dia, no repousar de cada lágrima.
No doce de cada presente, no timbre da voz que te embalar.
Eu estarei na primeira fila quando ele cantar.
Estarei presente em cada memória que você matar,
 para onde você tentar fugir.
Eu serei o seu arrependimento mais fiel,
a imagem no espelho refletida e negada três vezes.
Eu serei sua companheira nos dias frios e nos cálidos.
Serei a ausência que você tentará reparar.
Serei suas facetas e seus truques, serei o seu sorriso.
Serei o seu arrepio.
Serei a vontade incontrolável e impenetrável no tempo.
Serei a verdade te balançando a cabeça e te revirando o estômago.
Serei o passado desgarrado e mal vivido.
Serei o fundo do poço e,
quando você finalmente acordar dos seus desencontros,
serei água escorrendo
da sua nascente. 

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Ode à desagregação II

Depois de velha fiquei covarde
Depois de santa virei demônio
Depois de tentar e não conseguir
cheguei num ponto em que não desejo mais nada
Depois de recusar tudo comecei a me alimentar de migalhas
Depois de escolher o certo comecei a fazer errado
Depois de tanto me isolar
comecei a odiar a solidão
Ainda que por lugares conhecidos
Corpos sólidos
Sinto o chão desaparecer todos os dias
Sinto a voz sumir
A vontade ir e não voltar
Sinto o corpo tremer
O pensamento desalinhar
Antes eu tão certa que queria o céu
fui me prender a vários pedaços sem forma
Coisas terrestres
Depois de desfazer fui te amar
Fui tentar sentir dor para sentir vida
Consegui
À noite espero você em sonhos
Visto plumas e me perfumo
Deleito o corpo em doces canduras
Ignoro o sutil ardor da carne
Gosto de sangue na boca
Gosto de fel na vida
Grito extremo, triste e rouco
Soa como um apelo desesperado
Espera ridícula
Faz de mim nada
Mais uma vez me transforma em névoa
Restos
Leva de mim o melhor
Meu sabor, minha alegria
Até o brilho do meu cabelo
Desprezo
Entristece a minha feição
Enrubesce o meu orgulho
Tira de mim o ar de desafio
A certeza, a despreocupação
Coloca o sentido em frangalhos
Corta a pele onde ela é mais fina
Tira a luz dos meus dias
Finda a esperança
Desavença, cobrança
Alcança o protótipo primeiro
Não resolve
Limita a sensação de prazer
Anula em mim o anseio por pecado
Fatiga a minha alma, desanda a reza, rompe o envólucro
Persevero em não cuidar de você, em não te aliar
Em não te colocar entre as esperas minhas
Entre as ideias que tenho
Entre as dores que me partem
À guisa de fazer verdade
Suspeito que nem sou mais
Eu que antes água agora sou matéria indistinta
Segurando nas bordas
Tentando ter ar, tentando me afogar
Eu que antes me calava não mais sorrio
Pareço uma injúria
Uma divisão
Uma aberração
Pela conjugação de torpes incoerências
Eu que antes forma
Agora desapareço
Antes minha
Antes fúria
Agora enlouqueço
À mim não mais detalhes
Pedidos, altares, alardes
Leva pra você um pouco de frescor
Não tenho mais para onde ir dentro de mim
Eu que antes medo
Agora nem me anuncio
Agora sou só triste
Agora não mais me presto
Não mais me quero
Não mais me basto
Eu que depois de velha ganhei tato
Fiquei frágil
Uso palavras que não me tocam
Pra falar um pouco dessa escuridão.

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Despido

Nas curvas das minhas letras
percorrem seus dedos
caminhos a serem descobertos.
Pelo seu perfume me guio
nas dedilhadas notas de fundo
trabalhadas em madeira transparente
azul fragrância torpe
ardente sorriso que queima
o redor rubro da minha boca
quente.
É contrastante minha pele na sua
é contraponto meu timbre no seu
é o contrário do ponto que parto
do gosto agridoce da sua presença.
Na simplicidade dos meus versos,
na liberdade das minhas estrofes
caminha, voa e volta.
Nos relevos da minha vontade
Tateia, sente, cheira
levantando o cume do desejo
descobre, procura, prova
refinando seu paladar
nas peculiaridades da minha difração.
Em escala de cinza colore
deixando roxa a pele quente,
cerrando os olhos,
semicerrando os lábios.
Sou desejo calado, velado, guardado
à espreita, à espera do seu diálogo.
Despido em desejo cantado,
Sou sentido resguardado, quase pudico.
Nos cinco sentidos explorados
do corpo intocado
posto em prática
na essência particular

dos sonhos por nós sonhados.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Verde folha

Venha correndo
E antes de chegar,
diminua
Cola a minha boca na sua
Dilacera o pensamento
Por segurança, te acorrento
Fugirá de mim mas não mais dos meus intentos.

Corre de mim, eu corro nua
Você tenta mas não me perturba
Sua presença não é desagrado
É chuva que olho e me calo
É medo que devia mas não sinto
Presença nula que reprimo
Andar vacilante que amparo
Nó de escoteiro que desfaço
Curva à frente que não faço.

Saí para dar uma olhada
Caí dentro d´água
É escuro, não posso sair
É perene, não posso reter
É delírio, não pode contar
É segredo, ninguém vai saber
É verde, cor de folha seca
E secos são seus abraços - hiatos
tão disformes que são falhas
tão sozinhos que são você.

domingo, 16 de agosto de 2015

Milhas

Ando como Drummond
Pensando versos que a pena não quer escrever
Pensando em verbos ofensivos pra você
Pensando em discursos pra te impressionar
Pensando em disparates que gostaria de lhe gritar
Pensando que seria um crime te desejar
Pensando que seria uma burrice
e, portanto, melhor nem começar
Pensando no medo que tenho de te contar, contar pra mim
Que nós dois não somos nada, não queremos nada, podemos desistir.
Ando pensando que tenho pensado demais
Desejado demais, esperado demais, vivido de menos
Em função de todos esses meus mil meios poréns
Em razão das razões esquecidas, perdidas, mas que ainda transformam o meu ser em sou
Venho pensando que o modo de medir meu tempo anda equivocado
Que não sei porque estou vivendo
Suspeito que só vivo quando amo e o amor, pensando bem, não vale a vida.
Penso de noite na quantidade de palavras que eu escondo
Nos suspiros que transformo em sorrisos
Nos apertos que transformo em olhares
Penso nessas partes de mim que tenho sacrificado
Na morte terrível que eu tenho imposto aos meus pedaços
No quanto há de verdade nisso tudo
Do nada que sinto, os restos que pego, o ar no qual flutuo
Gostaria de fingir que não lembro de nada
E andar por aí sem as amarras, sem as tristezas, sem os amores
Sem medo de não conseguir
Sem verdades pra contar
Sem palavras pra dizer
Andar como anda o vento
Sentindo, passando, colhendo
Estando em diferentes superfícies
Percorrendo, desenfreada, enormes distâncias
Regida apenas pelas pressões do ar
Pela temperatura do mundo
Pela luz do sol, monção de leveza, impasse, desenlace, beleza
Liberdade, infinitude, coragem
Ausência de necessidade
Precisão de não ser, concisão de não existir
Alento, desprendimento, proporção
Existir em uma sinceridade muda
Descobrir sem querer, reinscrever
Levar, deixar, seguir
Desfazer
Erodir
E modificar, sem pretensão
Os instantes que chamo de tempo
As pedras que chamo de caminho
As imposições que chamo de verdade
As dúvidas que chamo de vida
Disfarces
Redescobrir
Desmontar
Reescrever
Fazer com sentido
Não represar
Deslocar, orbitar
meu mundo.

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Útero

Entre os jardins onde enterrei
As várias partes de meu corpo,
A relva fez-se crescer,
Como a rotina tomando vida em tua janela
Fortificando-se com o café de cada manhã
Alimentando-se de tua desnutrição e palidez
Tomando força em tua fraqueza,
acompanhada do chá das três.
Eu, morta em carne.
Tu, viva em osso.
Despedaçando-te, encolhendo-te.
Demitindo-te, dispensando-te de ti
De tua própria presença.
Faço da vida recomeço,
Alimento a terra,
Descansando em paz
coração que outrora sufocou-se de ar.
Morri de excesso de vida,
De exaltação de batimentos,
Sorrisos e soluços.
Metástase de euforia.
Tu vives de morte,
Fazendo desconserto,
Tumor trepidante, febril.
Arrastando-te pelos caminhos,
Esperando abrigos em colos e úteros
Para onde pudesses voltar
A ser ninguém.
À recusa das escolhas
Do ato de existir. 

terça-feira, 28 de julho de 2015

Gump I

O talvez me acompanha
na variância do ser
moldada através do tempo
janela certa do (não) saber.
Sou gosto amargo, doce
sou ferida em tratamento
nascente correndo
escorrendo.
Corro para fugir, corro para encontrar.
Corro para me esconder, corro para me achar.
Corro por não ter para onde correr.
Corro para não me aprisionar.
E, de tanto correr, de tanto querer,
me aprisiono
no não estar. 

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Sol

A pertença desfaz-se no gozo sórdido do abismo.
E, sendo prazer toda dor,
insistes em querer soltar-me,
mas esquece-se de que, soltando-me,
solta-se também o sol da alvorada.
Desistas de desistir.
Sol-te.
Sol-me.
Clareais o sorriso (branco) de nossas almas
escovadas, engomadas e amaciadas.
Calcemos nossas meias e, sem soltar-nos,
caminhemos.
Colhamos a vida para não dizer que não vivemos.
Permita-me a cura de pertencer, por segundos travestidos de anos, ao mundo são da fantasia.
Querido, soltar-nos de nós é engano.
Puro, sim, é sol-nos,
colorir-nos em encantos. 

domingo, 28 de junho de 2015

Smurov

Eu saí ali fora
E procurei alguma coisa que não me fizesse mal
Mas eu não achei
Porque quando não é mais do mesmo
É mais do que aguento
É menos do que espero
Mesmo do que tenho
Menos do que quero
Mais do que desejo
Mesmo quando quero
Mesmo quando esqueço
Mesmo quando é do mesmo jeito
Eu ainda queria que fosse diferente
Caí num sono ruim
Aqui dentro é só ruído
Parece um rádio velho esquecido
Ligado pra espantar os fantasmas
Casa velha
Velha insistência
Não posso mais me admitir
Não quero mais concernir
Porque quero um pouco só pra mim
Mesmo que a sensação seja de infinita queda
Que os laços não segurem (que eles não tentem)
(eles não existem)
Ainda que o embaraço seja aterrador
Que a luz não ilumine os cantos
E que o corpo trema inteiro
Que eu precise me esconder
Que precise voltar
Que precise negar
Que não suporte e precise chorar
Não vou deixar de perguntar
A sede de te saber me esvai o espírito
Mina minhas outras procuras
Desmancha a certeza
Mata-me.
Quem é você?

domingo, 14 de junho de 2015

Prazer,

Por entre ruas, jardins e ventos, perfumes amadeirados, notas musicais e criados-mudos, por entre postes e cetins, certo medo e uma coragem cega, entre placas e avisos nos portões, entre alto-falantes e autoestima, entre lençóis e você. Entre nós bem dados, nós desfeitos, bem feitos, apertados e arrancados, respeitados, entre cafés amargos e bocejos. Anseios, toques e bufadas. Entre regurgitadas e roupas apertadas. Entre goladas e risadas, tiros e facadas. Entre o bom e o doce, azedo e queimado. Entre a dor e o desejo, sarado. Entre vírgulas, o agora e o depois, breves intervalos. Entre pontos finais e ligações, retomadas e limiares. Entre a consciência e a realidade, entre o avesso e o começo, entre a leveza e a intensidade. Entre a presença e a ausência, entre, a porta está aberta. Sente-se. Entre gritos e suspiros, sussurros e gemidos, entre o toque e a violência. Entre minha vida, meus mortos, meus caminhos tortos. Entre agora ou cale-se para sempre. Cálice. Pai. Afasta. Entre vinhos suaves e diabetes, diabo. Diacho. Entre socos e murmúrios, entre olhares a afagos. Paixões e desesperos. Entre vontades e desejos. Entre cemitérios e enterros. Entre o não querer. Viver a vida de novo. Discorra. Corra. Fuja. Entre os caminhos e as decisões, entre as opções. Entre. Em. Colapso. Entre mares e ares, terra. Fogo, sou feita de. Água. Salgada. Doce. Entre mordidas e marcas, roxos e choros, cachorros e logros. Latidos. Latinos, meu sangue. Tatuagens, entre desenhos e lembranças. Entre cheiros e cheiradas. Pó. Entre bulas e alívios, dores. Entre enganos e ilusões, ataques histéricos de bom humor. Felicidade. Você. Saudade. Eu, tão grande em tamanha pequenez. Entre sorrisos, risos e olhares nos olhos, entre ansiedades e inseguranças, entre toques em corações. Prim. Entre, atenda o telefone. É a minha função no mundo. Entre, comece a contar. Entre Clarisse e Andrea Doria, Eduardo e Mônica, Ângela e Leila. Entre vozes e timbres, cantorias e cantarolados, cachos e exigências, cabelos e pouco tamanho. Entre amigos sinceros e leais. Entre vocês, entre nós. Entre conexões amazônicas e fronteiras. Entre índios e estrangeiros. Olhos puxados. Pele amarela. Entre, puxe uma cadeira, traga seu copo e sente-se aqui. Entre, traga-nos uma bebida. Entre, apague a luz pra que eu possa te sentir melhor. Entre, isto deixou de ser uma tentativa. Entre, saudade. Entre saudade e o crepúsculo retardado. Entre a sede, seda e longa caminhada. Entre a perda e a chegada. Entre a risada e a parada. Entre All of my love, wish you were here. Entre as minhas flores e os meus espinhos. Entre os dois. Há os dois. Entre enquanto houver sol, entre tapanacara e Odara. Entre o talvez, people are strange. Entre chás da meia noite, Christie. Entre sem qualidades e Lolita. Entre, niilistas. Entre Drummonds e Seixas, entre histórias e o que escrevo. Entre o real e o agora, dólar. Entre falta de sentidos, morte. Mas, antes disso, Peixe. Laboratório. Sete dias da semana, letras sete em meus nomes, sete notas musicais, sete cores do arco-íris nas regiões divinais. Entre o fundo do baú e as poeiras escondidas, entre a poluição e o adoecimento de uma vida amargurada. Entre ajudas e abraços, braços e laços. Entre beijos e carícias. Entre, estou presente. Entre, isso eu sei fazer. Entre ruas e travessões, interrupções. Entre a seriedade e o compromisso, descontraída. Entre, contraída em si mesma. Entre, sente-se. Prazer. 

domingo, 7 de junho de 2015

A mim, escuridão

Basta fechar os olhos para fugir do resto desse mundo. Não há muito que me prenda aqui. É muito fácil vagar entre os espaços tão bem marcados dessa realidade um tanto questionável. Não há muito que fazer. Daqui, há pouco o que querer. Sou mais quando me perco. Sou mais quando me solto por aí em qualquer vaga de garagem reservada a mim. Reservada ao nada. Reservada à falta de. 

Não nasci para ser séria. Não nasci para ser sempre. Não nasci para seguir piamente. Não nasci para estar parada. Recebi o sopro de angústia que me permitiu chegar até as próximas esquinas. Recebi apostas. Falidas. Algumas sim. Outras também. Apostas acerca do que eu seria, apostas acerca do meu sexo. Recebi possibilidades invariantes. Possibilidades irrealizáveis. Possibilidades brilhantes. Possibilidades. Possivelmente. O nome lúdico de uma personagem de desenho animado. O nome do avesso em seu significado, que faria jus aos sentimentos experimentados em existência tão categorizada em lacunas. Tão certa de sua irregularidade.

À procura de lembranças e promessas, sentidos e encaixes, à procura de tudo que acalme e acalente a alma, seja em sopro, seja em luz ou escuridão. Seja em liberdade ou em exclusão.  À procura de você que, estranha como eu, se perde em meio a esses vãos em labirintos forjados, letras e sonoridades dispersas. É genuíno esse brinde à falta que temos. É genuíno dar lugar e acomodar a falta. Antes negando, procurando, antes gritando, antes agindo, antes lutando. Antes existindo. Subvertendo.

Com você aprendendo. Cada um existe da maneira que lhe cabe existir. Cada um é da única maneira que é possível ser.

A mim. A nós. A você. À sua falta. À falta de. Ao que pulsa aqui. Ao do que tento fugir. Ao do que não consigo. Ao do que consigo. Ao significado. À falta dele. Ao existir e todas as suas possibilidades. Aos meus quereres. Aos meus poderes. Aos nossos sorrisos. À sua saudade.

A mim, escuridão.


sábado, 30 de maio de 2015

Eco

Pelos seus olhos eu vi
A terra incógnita
O algo a mais que eu procurava
Pedi sua mão
Me derreti nos teus véus
Senti pela sua alma
dancei pra você
banhei meu peito em lua
salguei meu corpo em mar
mostrei-lhe meus contos
Entornos
na esperança de que você fosse me prender
aos seus pensamentos
para além da vista suja
para além do corpo sólido
entreguei-lhe a faca e os pulsos
deixei você me fizesse
mas não houve glória nem dor de amor
nem a dor do esquecimento
a sensação de afogamento
o choque e o entorpecimento
a vontade de não existir
a separação do que nunca houve em metades que desaparecem
eu vi todas as minhas extensões
virando nada
ouvi os ecos de mim
as partes do que em mim ainda pulsam
soterrando-se, tornando-se
vida pura que se esvai
respiro morto na orla da sua ausência
eco de mim
que morre em você.

quinta-feira, 28 de maio de 2015

1+1=0

Nós que começamos pelo meio
Cheios de cortes
Falta de enredo
Parecido com as porcarias que eu escrevo
Meio na dúvida
Rindo de minúcias
Meio do caminho
Caminho sem chão
Água morna
Pedras.
Meio com medo
Escondendo os desejos irreparáveis
Coisas que vem de noite
Coisas que queríamos esquecer, não sentir, desistir
Meio desconfortável
Olhando para aquilo que não fazemos ou tentando acelerar tudo para não sofrer
Meio tristes
Pois não há muito sobre o que sorrir. Não de verdade.
Absolutamente pelo meio
Desvio de foco
Mais-valia de afetos
Dou-te o que não tenho
Dá-me o que não te serve
Visto-me na sua garoa
Que é pra ver se eu sinto menos frio na minha ventania
Não me pega pelas mãos
Deixa-me sozinha
Esquece os meus olhos
Meus pedidos
Meus sabores
Venha e me peça o que não sei fazer
O que não posso te dar
Me jogue da janela
Me desfaça
Me dispa
(das minhas vontades)
Me sufoque
(deixe eu me sufocar)

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Progressão

Se me perco desse desejo
Me desfaço em pedaços
Livres de arremedos
Medo insuportável
Não retornar ao ato
Início, meio continuado
Em busca de um fim
Construção do universo
Pontos finais e conclusões
Desamarrar as amarras, arremedos dos medos
Mas também laços
De uma existência
Desfocada, errante
Acabamos assim
Te culpo por estar em mim
Me reconheço quando em ti navego
Culpados ou inocentes de tudo que somos, fazemos, sentimos
Culpados e inocentes da nossa própria existência
Réus e heróis por uma vida
Um dia
Enfim
Em mim.