quarta-feira, 22 de março de 2017

fizeram-na acidente
e depois a fizeram massa

colocaram-na à esteira
e depois lhe deram a pedra entalhada

crendo-se sombras
não pôde segurar

com a pedra se cortou
no sangue se afogou

morreu desavisada
com registros de poucas verdades

mas a massa ainda viva
meramente descarrilhada

escorreu por entre as linhas
desembocou na mesma estrada

corre loucamente
amordaçada às escalas

desaparece mansamente
diluída à revelia

fracassada fugitiva
acidentada na poça de nada

sábado, 18 de março de 2017

Fogo pálido

Fiz diante dela uma cerimônia
pedindo para clarear certos desígnios
mas seus uivos são ferozes
e nem mesmo ao dia os desafio

Será que dela receberei
predições, mapas
direções, cartas
estrelas polares
atlas?

À cargo dela fixei certo destino
entreguei-me à completa devoção
no confim do breve sopro dela
refaço em mim, léu
aventurada em pequenas certezas

No fluxo dela
tremula
a palavra insígnia
farta
luz obscura

Bilhete de despedida

como moça polida que sou
ansiosa por fazer uso da minha pompa tão característica
quero hoje apenas
te dedicar certas palavras
mas com fulgor e clareza

tirei um tempo pra vir te dizer
adeus
e obrigada

pelas delicadas sensações (todas as vezes que fez eu me sentir miserável)
pelo apoio constante (e todas as vezes em que eu simplesmente me sentia fraca)
pelas deliciosas manhãs (eu me distorci e nem mais no reflexo consegui me reconhecer)

é bom também aproveitar
e deixar claro que fiquei grata
pela desatenção
pelo tanto faz
pela falta de explicação
pela sua estupidez irreverente
pelo privilégio de me sentar desgastada e insuficiente, à sua espera

e para posteridade deste bilhete de despedida, apenas desejo
que seu corpo te negue
qualquer último sinal de satisfação
que sua morte seja longa
e ruidosa

que a sua hora do partir
se arraste com demora
que o tempo de você faça troça

tirei um tempo pra vir te dizer
que espero que o diabo te carregue
e que no caminho ele te entregue
na fresta de algum vulcão

g.

quinta-feira, 16 de março de 2017

Aniversário II

que deus te livre
dessa morte insossa
dessa vida desvalida
de sentido
de gozo
de amor

que o seu deus te afaste
desse insabor severo
fragmentado em cada canto do dia

que deus te procure
e te leve para um bom lugar
que não sejam noites turvas
procuras insones
caminhos sem chegada

que a tristeza não te leve
não te derroque
não te acabe

que a destreza não te cegue
não te sabote
não seja sua água rasa

que não te assombrem desesperos
não te cheguem sombras interditas
tabus e outras avarias frígidas

que não estejam onde você gostaria de estar
enquanto na cama se vira sozinho
no vaivém das horas mortas
das esperas inóspitas
minutos ríspidos

que quando chegar a sua hora
não haja mais compromisso
a comprimir suas bordas
tornando-te apenas um ponto fixo