quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Bento

I
Foi pouco até perceber
Que era pouco o tempo
Que tínhamos,
Do qual dispúnhamos.
Foi pouco até perceber
Que são lindos,
Delirantes,
De ressaca, os olhos seus.
Dos quais os meus se fizeram fãs,
Um par.
Foi pouco até perceber
Que é fogo
O ar que buscamos
Um do outro,
Respirar.
II
Mas não,
A embriaguez não é como a morte.
A embriaguez de ver-te, pelo menos,
Requer que vivamos mais.
Encerra-me no agora,
Delirantes toques tépidos,
Vagando pelas nossas mãos,
O desejo.
Não diz que basta,
Pois não.
III
Cala-te, Ouçamos
A voz da vida,
O som da vontade.
O meu coro,
O meu corpo,
Sóbrios
Ao dizerem
Ao chamarem por você.
IV
Como pôde acreditar
Que não seriam meus
Os beijos lançados?
Eles foram alcançados.
E foram quase salvação.
Vou, porém, livrar-te deste fardo.
És culpado apenas
Pelos sorrisos,
Não pelos desequilíbrios.
V
És um minuto a mais,
Um vacilo do caminho
Para o lado esquerdo
Da encruzilhada.
És navio de partida,
A quilômetros da chegada.
És tanto, que faz transbordar.
Porém,
És falta também,
Não faz saciar.
VI
Excêntrico eixo de desordem
Da Terra aonde quero girar,
És feito o disparo da ordem,
Caos em que quero penetrar.
És transgressão, e nela,
Dois mundos,
O meu e o seu.
Dispararam,
Tornaram a divagar,
Perdidos, o encontro.
Por enquanto,
Por hoje,
Eu quero ficar. 

Via crucis

Antes quando te via era regozijo
era sonho e era valsa
te via e era festa
era saldo
te via em sintonia
antes quando te tinha
era sombra e era gozo
era meu e era nojo
era vida e não sabia
andava em fantasia
esquecia meu nome
desvencilhava
os seus braços dos meus anseios
as suas marcas dos meus tropeços
antes não podia querer o depois
porque não te projetava em meu futuro
antes que te podia
não reparava em seus entalhes
feitos pelo tempo
feitos pelos restos de vontades
irrealizáveis, mortas, flácidas
trocando as cordas pelas pontes
não te via
antes que te continha
parecia não haver solidão
antes que te ouvia
até em pensamento estávamos caindo
mesmo quando a inércia dos nossos pedidos
faziam problemas virarem vultos
nos distanciamos
nos colocamos nos vértices
sua borda esqueceu dos pontos
minhas linhas transportaram outros recados
agora sou fã dos desarranjos
mas não mais vivo deles
agora sou o depois que não pensava
sou o nada que se continuou
sou proposta que nunca chega
e ainda tormento de madrugada
insone e calada
falo só para dentro
para acalmar as loucuras e os intentos
penso em arritmia
não sei concretizar essas maneiras
penso em várias direções, nenhuma toma reta
ando insatisfeita, não sei mais me dizer
nunca soube e achava que podia
não há antes no que se conserva em amor
pois este fermenta todas as coisas até elas serem outras
a ponto de se perderem em ranço doce
ou azedarem em vinagre frio
não há antes no que se conserva em confusão
tudo vai se tornando móvel
a polia que puxa as cordas se desgasta em tanto faz
as normas não mais encaixam
as forças não mais empurram
quem é que segura os nós
quando o demônio sai da caixa?

Nem eu

Vou te cercando pelos poucos espaços do campo minado
Sem você perceber
Da sua vela fraca eu faço luz
e nos seus soluços encontro fonemas
Afino o meu beijo no seu
Quero te ter para lhe dilacerar
Tomar o meu corpo no seu
Colar a sua angústia na minha
Pra que em desespero ou tristeza
Sejamos um só.

Que quero me vingar já sabes
Acordo todos os dias em franca agitação
Te procuro por entre sons de olhares trincados
Sentimentos entrincheirados
Por entre ventanias que levam de volta o que eu achei ter conquistado
Por entre os meus detalhes tão mornos que não os quer para ti
Tomarei teu corpo em pecado
Te fatigarei
Daí você verá loucura, lascívia, maldade e rubor
Verás todo o ódio, o tornado, o transtorno, o indomável
Te cortarei, amor, em mil pedaços
E com alguns deles partirei
Te deixando sem completude, sem junção e sem reposta
Te deixarei em vários cacos
Quero carregar comigo sua alegria
Sua simpatia
Até sua vergonha, se me permitir
Vou levar pra mim o que não te torna mais humano
O que te oprime enquanto gente
O que não te pertence
Não te torna
Não te faz
Levarei comigo as suas negações
Os seus embaraços
Dormirei vestida com os seus retalhos
Vou me transmutar em uma nova versão de nós
Em que sou um pouco de você
Você não mais me reconhecerá
Nem eu.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Nome próprio

eu tenho medo de largar sua mão
e simplesmente me despedaçar
da última vez doeu tanto
que eu mal pude me refazer
tenho medo de me perder andando sem rumo
e de não saber diferenciar o belo do incerto
tenho medo de cair
e de não conseguir discernir os seus olhos oblíquos e diagonais
das pontas de agulha
dos metais aquecidos
das bordas infinitas
que não caem nem se vão

você viu quando eu caí?
ouviu quando eu gritei? Você dormia na penumbra
você não sabe o quanto quis morrer
por vê-lo continuar
caminhar por entre os outros
dobrar a esquina
se afastar
Como se não tivéssemos sido nada
um pro outro
ou como par
nem um amor
nem um desgosto
eu ainda sinto as suas mãos nas minhas
eu ainda sinto esboço do seu cheiro
indo
mas não se esvaindo
morrendo na distância
vivendo em meus espaços

eu ainda sinto a sua falsa inocência
a sua ironia disfarçada
sua boca fechada
seu esquecimento, sua falta, sua ilusão
o seu desdém, seu fel, meu chão
sinto seu riso
ecoando disforme e sádico
em minha cabeça
em minha desgraça
em minha fraqueza
sinto a cadência em seu desprezo
sinto o seu estreitamento, sua impossibilidade, sua confusão
seu desleixo, seu perigo, sua posse, meu nada

sinto
o meu descuido, meu medo, meu excesso, sua saudade
que por todas as vias, é minha
não há mais meio
insanidade
minha doença, minha vontade, sua ausência, o meu espaço, seu corpo
que ansiei que fosse meu
e minha fuga, como não há rotas, acabo imóvel
escondi seu endereço pra não te achar
desencontrei seu rosto quando vi inexpressão
jogo da forca, as letras não formam saídas
os erros matam as esperanças
desmembram as evidências
desidratam o frenesi de cada memória
não posso mais te assustar
nem estar no desafio do seu rosto
não sei mais por onde tentar
me proponho te esvaziar
matar você enfim
desfiar
a corda que você botou em mim
acordar
desse desespero
ordenar de novo aquilo que foi um dia motivo
quero apagar todos os afetos
quero poder te chamar de fim

*Texto de Gabrielle Torres e Drielle Barbosa

domingo, 18 de outubro de 2015

Órbita

Ao que hesita mostrar
Estarei na soleira do teu desejo
Esperando permissão para entrar

Satânicas

Eu gosto de brincar com fogo
pra ver se aprendo a apagar
Os incêndios
dos nossos
pensamentos.

Polia

É muito incômodo tentar te entender
Hoje não te quis
Amanhã te desprezarei
Quando quiser alguma coisa me diga
Porque cansei de perder
No jogo de adivinha

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Âncora

No querer,
Isolava-se.
Mas, separada,
Não cabia
Em si.
Esvaía-se
Sempre que tentava
Ser alguém
A quem não via.
Era pouco
E sabia.
Era mar
E não continha
Tudo que a espremia.
Era o quase
E naufragava
Ao avistar
Os portos
Onde não ousava

Ancorar. 

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Eco II

Se as palavras que eu pronuncio
Me dissessem de volta
Os porquês de estarem sendo soltas,
Desconexas da sua realidade,
Naufragadas e encerradas 
Em um copo sujo de veneno:  
Véu que evita a cegueira
Por tanto enxergar.
Se essas mesmas palavras me punissem
Por ser tola, por achar tudo lixo, baixo.
Se essas palavras se fizessem escutar,
Gritando pra mim o que eu devo saber
De verdade, sem fantasismos, em concretude.
Se essas palavras desfizessem o mistério,
Me fazendo ouvir a voz que procuro,
De onde vem?
Se essas palavras cuspissem em mim
Os seus significados, a importância.
Se elas me contassem que incrédula é a vida,
Que árdua são as horas,
Que amargos são os deus que negam as respostas.
Se as palavras que eu pronuncio
Me contassem que a dança não tem norte,
Que o par é contramão,
Que o que entregamos
Uns pros outros é o não.
Se essas mesmas palavras
Me fizessem contorcer
Toda vez que eu as pronuncio,
Talvez eu soubesse 
Que, no fim, tudo é vão.
Se elas me marcassem com suas letras,
Talvez eu pudesse apagá-las
E tentar novas,
Tentar o outro,
Tentar de novo.
Mas as palavras mudas,
Que não refletem em mim
O que penso dizer,
Só reafirmam
Que é (esta)
A voz que eu não consigo escutar.

domingo, 11 de outubro de 2015

Antivida

Nós dobramos os lençóis
Porque não há mais cama para fazer
Ou crianças para assombrar
Deslumbrei estas providências mínimas
Em sinal de respeito
Porque ando fazendo muitos poucos
Anulando várias dessas horas insípidas
Fazendo de tudo e de todos
Posses para opacar as feridas
Produzimos tão pouco que
às vezes parece que nem existimos
Estamos em quase nenhum lugar
Só sentimos culpa, precisamos de colo
Sentimos solidão, precisamos de alento
De outras pessoas, de corpos presentes
Nos nossos funerais íntimos.

Sem nenhuma misericórdia
vamos vivendo
Não existe presença nas formas dispostas na fantasia
Não existe certeza em nenhuma fresta do pensamento
Não há alma, não há amor, não há beleza
Tudo é cópia, empréstimo e utopia
Tudo se troca, se escolta e se vende
Plantamos as árvores e colhemos as sementes
Só que depois não sabemos o que fazer com elas
Já que em nós inexiste o impulso puro que é água boa
que germina as falhas
preenche os ocos
e nos torna perenes.

sábado, 10 de outubro de 2015

Arquipélago

Se isolava tanto
Que uma vez olhei pra ela
E pensei que fosse uma ilha



















foto de G.Torres

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Ela

Ficava por aí se esquecendo
Se humilhando
Velando os segredos que ninguém queria saber
Porque queria botar seus filhos no mundo
E ser preenchida pelas alheidades dos outros
Queria viver como se fosse uma coisa viva
Queria infiltrar o mundo pelas veias
Queria drogar o outro com suas palavras levianas
Mas por medo inconfesso das próprias afasias descompensadas
Instalava uma doçura paralisante frente aos limites reais
e às escadarias movidas à manivela
Andava por aí como se fosse forte
E não era nada
Perdia a compostura em cada processo
No vagar do olhar sentia-se tonta
Embriaguez provocada pela veemência da vida vivida
Altivez provocada pelo balanço nauseante dos dias
Pensava por aí como se fosse algo
Escutava aquelas músicas
E achava que assim podia sentir
Achava até que podia dançar, que podia perecer
Que seria alguma coisa
Que descobriria o nome do animal que dentro dela se detinha
Mas que arranhava das paredes vergadas o tempo todo
Com amor indecente e selvageria
Punha abaixo as estruturas que eram sobra
E desnudava certas alusões incoerentes
Desfiava os muitos véus que faziam charme à conduta
Para dar sinais que hora ou outra dilaceraria as hipocrisias latentes daqueles trejeitos
Ela não era sina
Era borda
Era linha
E sua própria alcova
Ela pedia para ser aclamada
Ela falava mas não era para ninguém
Ela nem mesmo se importava
com a vida
ou com alguém
Ela mesma não se sabia
Era profícua
Era estranha
Era esvaziada
Era inoculada pelo desespero
Era vinculada
Mas não fazia vínculos
Porque isso era penoso demais
Era ela a mesma que pedia
Era a demanda
O chamado
Era ela a cobrança
Era encalço
Era dobradura
Era massa
Era fio que tece
Pelas mãos do outro
Era necessidade
Era profusão
Ela que não se sabe
Ela que não prefere
Ela, que ainda morta diz que está aí
Ela que mesmo não sabendo, quer
Era muito e era pouco
Era para poucos
Era para saber o que fazer
Era para entender
Ela não era de se dar a esquecer
Mas esquecia
Era mesmo uma tentativa
Ela não desafiava
Era respeito
E era omissão
Enquanto bebia a água que achara na travessa
Desfilava as angústias de um corpo que não lhe obedecia
Que ia se desfazendo à medida que ela era
Ela não está aqui
Ela não é sistema
Era apenas intenção
Ela, para cada conto um beijo
Em cada vinda, um desagrado
Era incompletude e desordem
Era para mais do que devia onde não podia estar
Era só onde não podia ser
Era só para quem não devia querer
Ela, que não fazendo, só sabia desejar
Ela, que não faz fim nem nada
Se acaba
Se despe
Se firma
Em traços mal feitos
Era o tempo todo
Só tentando saber se era
Ou se tinha como ser.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Dueto

Você acredita em genius loci?
À primeira vista, não.
Mas os fins de tarde
Traem a negação
Que impõe-se como cega,
Fugindo dos sentidos
Aos quais me entrego,
Terminando em salvação.
Por seus olhos, a procura.
Dedos, toques, sincronia.
Na entrega, a ampulheta viciada
Mudando, retardando a chegada,
Adiantando a saída.
Tem sido razão, fuga,
Parada.
Tem sido saudade, desejo,
Prazer.
E porque adsumus
E folie à deux,
Sim, eu acredito em genius loci,
Você.