segunda-feira, 10 de abril de 2017

Florais

Veio tarde
Seu calor, ainda que em atraso
É capaz de provocar certa dose de instabilidade

Já está anunciado
Que nosso fim não será tempo
Mas será medo
Separado nas repetidas etapas
nas quais matamos nosso amor em legítima defesa

Melhor queimar que degradar?
Melhor esquecer que desaparecer?
sinais do impasse de quem não tem sabor em sentir
prazer em sofrer; querer dissolver
o pouco eu nos seus pedaços

Post scriptum

quando tinha 5, aprendeu a falar
mas esqueceu depois de tanto apreciar o silêncio

quando fez 10, amou
um reflexo inseguro, uma sombra indistinta, nódoa não fixa

quando chegaram os 16, percebeu que não havia caminho
não há para ninguém

aos 23 fechou as portas
prendeu as palavras
abriu a boca
calou os olhos
e fez do silêncio, seu último lar.

*para R.M.T.

quarta-feira, 22 de março de 2017

fizeram-na acidente
e depois a fizeram massa

colocaram-na à esteira
e depois lhe deram a pedra entalhada

crendo-se sombras
não pôde segurar

com a pedra se cortou
no sangue se afogou

morreu desavisada
com registros de poucas verdades

mas a massa ainda viva
meramente descarrilhada

escorreu por entre as linhas
desembocou na mesma estrada

corre loucamente
amordaçada às escalas

desaparece mansamente
diluída à revelia

fracassada fugitiva
acidentada na poça de nada

sábado, 18 de março de 2017

Fogo pálido

Fiz diante dela uma cerimônia
pedindo para clarear certos desígnios
mas seus uivos são ferozes
e nem mesmo ao dia os desafio

Será que dela receberei
predições, mapas
direções, cartas
estrelas polares
atlas?

À cargo dela fixei certo destino
entreguei-me à completa devoção
no confim do breve sopro dela
refaço em mim, léu
aventurada em pequenas certezas

No fluxo dela
tremula
a palavra insígnia
farta
luz obscura

Bilhete de despedida

como moça polida que sou
ansiosa por fazer uso da minha pompa tão característica
quero hoje apenas
te dedicar certas palavras
mas com fulgor e clareza

tirei um tempo pra vir te dizer
adeus
e obrigada

pelas delicadas sensações (todas as vezes que fez eu me sentir miserável)
pelo apoio constante (e todas as vezes em que eu simplesmente me sentia fraca)
pelas deliciosas manhãs (eu me distorci e nem mais no reflexo consegui me reconhecer)

é bom também aproveitar
e deixar claro que fiquei grata
pela desatenção
pelo tanto faz
pela falta de explicação
pela sua estupidez irreverente
pelo privilégio de me sentar desgastada e insuficiente, à sua espera

e para posteridade deste bilhete de despedida, apenas desejo
que seu corpo te negue
qualquer último sinal de satisfação
que sua morte seja longa
e ruidosa

que a sua hora do partir
se arraste com demora
que o tempo de você faça troça

tirei um tempo pra vir te dizer
que espero que o diabo te carregue
e que no caminho ele te entregue
na fresta de algum vulcão

g.

quinta-feira, 16 de março de 2017

Aniversário II

que deus te livre
dessa morte insossa
dessa vida desvalida
de sentido
de gozo
de amor

que o seu deus te afaste
desse insabor severo
fragmentado em cada canto do dia

que deus te procure
e te leve para um bom lugar
que não sejam noites turvas
procuras insones
caminhos sem chegada

que a tristeza não te leve
não te derroque
não te acabe

que a destreza não te cegue
não te sabote
não seja sua água rasa

que não te assombrem desesperos
não te cheguem sombras interditas
tabus e outras avarias frígidas

que não estejam onde você gostaria de estar
enquanto na cama se vira sozinho
no vaivém das horas mortas
das esperas inóspitas
minutos ríspidos

que quando chegar a sua hora
não haja mais compromisso
a comprimir suas bordas
tornando-te apenas um ponto fixo

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Minguante

E ela que dança
Constela
Incompleta

Sua boca reverbera

partes sem fim
verdades etéreas

Cheia

À volta dela
certo brilho insensato
círculo ecoante
à prende à imensidão
não deixa cair em nós
o desespero

Embaixo dela
a irrelevância noir
do seu pedido cálido
beijarás em fogo pálido
prometerás dela lembrar
sela minha promessa curta
luz especular

Crescente

Mina de rochedos
Ao longe
parece arranhar

Caio em seus despovoados relevos
Mutante gélida
Veste-se em um quarto escuro
Onde despe a finura de seus tecidos áridos
para cobrir-se em fogo-fátuo

Queima-me os olhos
em fatigada beleza

Nova

Parece moça
e parece tímida
recolhe-se toda
no decompor do dia

Parece solta
mas quem sou eu, mínimo grão
a observar seu distante retorno
sua discreta soberania

a estreita margem de sua pelagem fina
anúncio próspero
da perfeita união
sinais da noite
à luz do dia

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Óssea

aí vai
desfilando incólume aos olhares alheios
insinuando-se em pequenos gestos [ninguém viu]
mesmo assim
vai
fazendo tormenta em quase nada
tornando fuligem qualquer pesadelo
medos barrocos lhe assombram
chiaroscuros, antíteses, infortúnios

como alguém que fica
por não saber exatamente o que significa ir
fazer
ser
sentir

ao andar distraída
permanece no mesmo lugar
tentando ser autoguia

parte de trás, verso, negativo
aquilo que se guarda e esquece
olha depois e estranha
parte interna de um corpo
de um poço
ferida

beijo de adeus não dado
singelo incômodo bem camuflado
vai passando pelos caminhos em íntimo anonimato [si]
não sabe se porta algum sentido
[suspeita que não]

la vie en close
mas pelo olho de outro
porque ali só desventura
insipidez
insignificância

faz dolorosos partos da sua dor
sozinha
à qualquer hora
não sente arroubos de saudade
nem gratidão
nem pertencimento
dá cria a pensamentos de estupor
insabor
hipocrisia

tudo vira matéria de absorção
pelas vias osmóticas da superficialidade
capacidade de crer
às vezes com insatisfatória particularidade
frases soltas que não servem a ninguém
[porém]
destilam calcária saliva
da boca-escrita
a voz muda da oca fantasia.

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Dois de nós

Tal qual solidão,
a companheira mais fiel que eu já tive,
imóvel há tempos.
Traguei até a garganta queimar a sua falta,
que era pra sentir na pele
que não tinha mais volta. 
Você sabe, deve me perdoar,
mas memórias não duram pra sempre.
Elas se definham com a gente,
vão ficando empoeiradas pela turbidez do tempo,
vão pegando aquele cheiro característico da velhice.
Vão ficando tolas, mancas, dementes.
E você vai morrendo junto.
Foi repentino, enquanto bebia
outra dose daquele ácido ruim
e olhava pela janela.
foi a luz entrando,
batendo naquela outra mecha mais clara de cabelos,
aquele tom avermelhado e espantoso.
Confesso que não espera,
assim de quina,
essa oferta tão à mão.
Eu fui vagando tepidamente
e cambaleando entre dois eixos distantes, 
que não combinavam em nada,
mas me uniam em um único ponto. 

Locus

O vazio sempre cego
Que vem atormentar
As horas que não passam
Escorridas em lapsos
De passos que nunca
Se fizeram seguir.
Distante das amarras
Dos ares dos seus
Ilustres dentes
Que refletem o brilho
Isolado do sorriso
Que de novo eu quero ouvir.
Não queira
Nem beira
À margem, satisfação.
É sozinha, espada
Crava como dor
O gosto amargo,
Picante.
Vem você
E depois.
Vem jamais
E não se vê.
Longe, é tudo abismo,
É frio, sólido,
Amorfo.
De você,
Marrom íris
Que se afrouxa
Em formas
Que o meu amor se arranja.
A quase firme
Aflitiva vida
Se transforma
Em doces vazões
De ventos calmos,
Se encontram
E se agarram
Nos braços
Dados nós
Que se apertam.
Você
E não desfaz.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Recado

Desculpe a hora
Desculpe a distração
Desculpe a demora
Desculpe o perdão

Eu estava me vestindo pra você
E me desculpando intimamente pela falta de vontade
Pelo fulgor
Pela falta de jeito
Pela falta de amor

Mesmo que não acredite nos meus motivos
Me releve
Dê-me pouca importância
Eu também sempre vou um pouco
Na hora que se esvai

Vim na segunda tentativa
Com muito esforço
Me perdi usando seu mapa
Na segunda pista
Na segunda consideração
Cheguei alardeando meu pouco
Minha sentença vitalícia, a segunda posição

Fiz pouco a pouco o vernáculo
Vocabulário trocado
da minha distorção
E para mim, provérbio esquecido na língua do povo
Só sou dita traduzida, gota seca tempestiva
em forma de alusão.