sábado, 16 de janeiro de 2016

Não amarás

Eu peço que venhas
de tarde
e que com crueza
e despido do teu medo
me beije a alma
devassa-me
e dê-me a certeza
de que à mim ou àquelas
não amarás

Esteja em todos os lugares
percorra o meu altar com sua saliva
me livra
da vontade de te deixar
permita-me pedir e ordenar
hoje e amanhã
não amarás

Para aquecer ou escurecer
Desertos em mim
Oásis em você
Para partir e para ficar
Ruínas em mim
Muralhas em você
Para te ter ou para arder
Queimar
e renascer
A mim
Não encontrarás
Não amarás

Tão suave
e tão distante
na minha mão
não vejo onde
Avante
somente pó
Envolve-me em finura
em nó
Urtiga que queima os olhos
e a boca
e meu amor
não terás
Não mais
amarás

Tira-me toda de tua sombra
Faz-me aldeia, casa com pilar
Preenche-me da tua insônia
Para morrermos juntos de madrugada
Agregados
Arfando
Dizendo entre beijos nossas juras
Através de nossos olhos apressados
Permeando-nos com nossos segredos
Estranhando a sede de nossos desejos
e eu te somando a mim
Amando-te mas praguejando-te
Viverás
Em êxtase
Estarás
Sozinho
Mas nunca saberás
Da morte que revive
Da dor que satisfaz
Nunca
amarás

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Náufrago

Já te fizeram acreditar
Que era pequeno, pálido,
Insosso.
Pó de pouco,
Resto de fibra, olhar perdido.
Já te fizeram acreditar
Que era invasivo, torpe,
Veneno,
Vazio.
Que era vão o caminho,
A estrada torta,
Escuridão.
Já te fizeram acreditar que o fim era certo,
Perto, cego, turvo, grosso.
Que era logro, inválido,
Inviável, podre.
Tentaram e,
Na tentativa,
Entornaram a vontade da vida,
Da fuga,
Transbordaram a falta, o oco, o eco,
O sentido ínfimo.
Tentaram e,
Hoje, mediocridade,
Silêncio, acidente,
Tarde e passado.
Hoje, nada, arrependimento,
Criatura, repugna.
Hoje, falência, dor

E náufrago. 

domingo, 10 de janeiro de 2016

Dear

Só te penso em aflição
Em disritmia
Em nostalgia
É porque te quero em demasia
Não sei mais se é o céu que firma
Ou o fosso que se abre no chão

Com seus olhos de lobo
Seu olhar de cão
Seu riso um pouco doce
Parece uma sentença
Executa em mim prisão

Quando desce a tarde
Já traço em mim tremores
Peço a Deus perdão
Alívio do castigo
De encontrar-te no meio do caminho
Sem nenhuma decência
Sendo apenas perdição

Sou em paz, urgência
Contingência única e desastrosa
Só penso no que me tole
Só desejo o que me mata
Te quis único e invariável
Te pedi claro e pouco
Veio-me turvo e louco
Te recebi em exagero
Te deixei por confusão

Com sua boca suja de demanda
Com seu gesto impuro, desconstruído
Que sempre duvida
Que sempre afoga
Todas as providências
Meus sons e minhas reticências
Com sua mente crédula mas pouco límpida
Com sua palavra cheia de inércia
Crava em mim a sua descortesia
Fere
Trucida
Minhas últimas tentativas

Só te penso em sofrimento
Em desalento
Em omissão
É porque te desculpo menos a cada dia
Não sei mais se é porta aberta
Ou passo em falso no precipício
Vertigem
Ou fuligem
Ilusão.