quarta-feira, 30 de julho de 2014

Sobre o nada


   E, de repente, ela se ajoelhou aos meus pés e começou a chorar. Desesperada, tinha as mãos trêmulas e um medo estranho de abrir os olhos. Perguntei várias vezes o que havia acontecido, chamava por seu nome, mas ela se preocupava apenas em chorar e soluçar. Por fim, depois de horas naquela mesma forma, ela ergueu seu olhar e me perguntou, numa voz rouca e falha, o porquê da minha displicência. Eu, num tom sereno, disse que não havia mais nada na vida que pudesse me surpreender. Ela então olhou com olhos de curiosidade a desconhecida que se construíra na sua frente durante tantos anos sem que ela percebesse.

- Isso me parece egoísta da sua parte. – disse ela enxugando as lágrimas que insistiam em cair.
- De qualquer maneira, o motivo que te deixou assim deve ser mais importante do que essa discussão acerca do que eu sou ou não.
- O que eu mais temia aconteceu. As mentiras, a sujeira em que eu me meti. E tudo por culpa dele. Julguei que seria até bom participar de tudo isso, mas e agora? O que é que eu tenho? O que me restou? – neste momento ela olhou para as mãos vermelhas a procura de alguma resposta.
- Calma, você não tem motivos para ficar assim. As suas expectativas só dizem respeito a você.
- Eu não acredito que você está me dizendo isso. Você tem noção do que ele fez?
- Tenho. Isso fazia parte das possibilidades e você sabia.
- Mas eu nunca imaginei...! Você deveria estar do meu lado.
- Eu não tenho lado. Nem partido.
- O que você é? Um ser sem opinião? Sem julgamentos? Acha que isso te levará a alguma conclusão?
- Isso pode até não me levar a nada, mas com certeza eu não ficarei igual a você.
- Se não for para ajudar, eu prefiro que você fique calada, disse ela rispidamente.
- O meu jeito te incomoda e eu sou a culpada?
- Então é isso que você pensa do mundo, das pessoas à sua volta? Você acredita em algo? Existe alguma coisa capaz de te fazer feliz?
- Não sei, estou descobrindo. Por enquanto, ocupo-me em observar, sentir. Conclusões representam, de certa forma, o fim. Não me acho capaz o suficiente para decretar o fim de alguma coisa em minha vida agora.
- E você acha que é assim que se faz o futuro? Com pessoas como você?
- A sua certeza me inveja. O seu julgamento também.
- Eu não entendo você. Como quer melhorar, crescer?
- Eu não posso dizer nada, mas a propriedade com que você afirma tudo que sabe me inveja. A sua teoria de que não se deve não se apegar a nada vai totalmente contra a liberdade que você mesma prega. As pessoas não pertencem umas às outras, elas não tem que, necessariamente, seguir e apontar algo como verdade absoluta, é muita prepotência para pouco ser humano. Se você pudesse se observar por um instante, perceberia que você não passa de uma pequena engrenagem que faz parte de uma gigante máquina da qual, sequer um dia, tomará conhecimento do funcionamento. As coisas são mais simples do que parecem. E mais complicadas do que aparentam. Se olhar com atenção, verá que sou tão contraditória quanto você. Mas não se assuste, é a nossa essência.


   Afastei-me vagarosamente sem olhar para trás e ela continuou me olhando com olhos espantados, como os de quem acaba de ser apresentado a alguém anormal. E era exatamente isso que estava acontecendo.