domingo, 25 de dezembro de 2016

Por enquanto

Pois, então,
Eu disse que te queria bem
Mas, meu bem
Eu mentia

A dignidade de certas palavras nem tive
O sofrimento do seu moderado silêncio eu bebi
Como longos goles frescos
Como se fosse álcool a derrota

E revivado por aquilo que a distância vela
Sou fustigada dia-a-dia por aquilo que não revela
Daqui não te alcanço e nem quero
Um brinde àquilo que hoje não reconheço
Um brinde cego à tudo que me despedaça

Estive pouca, minha razão fraca
E hoje já ambientada à desvalia
Não mais me chamo à revelia
Desvio e estremeço
Diante de pequenos altares muito ornados
A moldura é cedro
A imagem é compensado

Desconheço aquilo que ressoa
Qualquer som me assombra
Mas nem toda música acalma
Ando muito cansada de certas medidas
Médias repetidas
Causas perdidas

E ainda que eu caminhe ao seu lado
Atormentada, destoante
Pode ser que eu esteja longe
E que não haja mais hora em que nos encontremos

A linha é muda, não atendo
A sorte é torta, não governo
A vida toda ou por enquanto
O tempo que opera em mim
é tempo indeterminado


sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Dead moon

If I were,
the bright light
the shadow side
the cold land
the black quicksand
inside the deep night
Could you,
dear fear
forget this little old friend
my body, my soul, my brain
release my hand
and just get lost with me?

sábado, 10 de dezembro de 2016

Frescor

Eu, sopro
Incorporea e porosa
Obviez quase palpável
Pode ser que já saiba
Que há muito te espero

Entra em casa
Refresca a sua boca na minha
Banha meu corpo no seu
Faz de mim sua correnteza
Irrefreável
Mutável

Vem

Desagua em mim

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Desconstrução

Que diferença faz?
Se mim ou tu
se esse dois
é sempre o número de discórdia
anuviado e árido
espaço de nós

Já não há mais cerimônia
a simples conferência do polegar
estamos sempre desafiando aquela última minúcia
que vai ser o motivo
fim e equívoco
não vamos parar até sentir o gosto de sangue na boca

dor inespecífica
tontura, bocejo
seria a derradeira hora
o último som de estar vivo
chegando matizado
mastigando o seu enfado
sua má filosofia
luz batendo oblíqua
cega suas janelas bloqueadas de certeza
protege seu fardo
o cheiro quente ou
embalo ritimado
do átrio
do meu eu
do seu nada

O sentido

Entrecruza os dedos
por cima da minha barriga
e conta aquela história
que vai me aterrorizar
eu vou
à revelia do seu contento
pois hoje já sou tarde
e minha
agora eu só tiro o pó da nossa manta puída
partes não vividas
sombras, nós somos o semblante
das palavras velhas
espiritualizando os cantos da casa
ainda viva na minha essência
morre aos poucos nos meus olhos
entrementes a distância
entrelinhas a corrente
que nos une em desagrado
abraço
forçado
que vem para arrefecer nosso choque
eu só te quero em paz
mas aporto do outro lado
pois não se pode amar
sem se afogar.

O torpor

Essa sinfonia
Desafinada
Das nossas vidas
sem graça
O nosso desarranjo
homônimo
do nosso canto não harmônico
Essa desvitalidade
morte
Essa lentidão que invade os cantos
cinza
e que se espalha
toma
e tira a cor
o gosto
o gozo
planta fora do vaso
vida que vai pelo ralo
linha que tapa o buraco
anestesia
anistia

animaliza
o que ainda houver de vivo em mim.

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Deixa

eu fui apagando você de mim
com o conta gotas
a coragem
medindo com cuidado as doses
das nossas trocas de olhares

fui tentando não te ver
no entreabrir frenético de portas
da rotina peso
a fuga morte
excesso de lucidez que afaga a ira
tempestiva
da nossa ilha
nossa ferida

fui querendo e não querendo
esquecer e te encontrar
ter-te por entre sombras
afastar-te por meio tempo
para ver se de longe
pareceria menos cinzento

fui pensando em você
como um ponto indistinto
algo que oscila
e brilha fosco
no céu à noite
enigma
que à distância fascina
mas quando se avizinha
coloniza e invade
sem saber que essa posse da qual fez parte
não é terra firme
é correnteza cega
à procura de margem

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Evanescer

estar
apenas habitar
fases ideias
lapsos estéreis
e solidificar um corpo
sem nenhuma presença
crescer
e desaparecer
indiscriminada qualidade
de quem vive pouco
e sente demais

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Flores mortas

Quem dera eu
experimentar da seiva
viva
dessa morte fluida
a vida
e rememorar
como se faz depois da guerra
os espaços vazios deixados
pela linha
infinita
que desertou o desenho sem traçar
mas eu, não por homicídio
apenas por lirismo
tristeza
e falta de mais terra pra vagar
me enlouqueço
no enorme numeral
que são
os quereres fendidos
meus pensamentos inúteis
todos os dias esquecidos
pois não se colhem flores mortas
secas
afogadas em si mesmas.


Mesmo quando a reta entorta
A claridade diminui
Dentro, anoitece
Fora, você floresce
Toma a via clara de luz de lua
Canta no caminho
Ri do desconcerto
Ri do desespero
Ri para si mesmo
Pois o sorriso que carrega é sálvia, sal e ouro
Cura para outro
Início para si mesmo
Se um dia acorda olhando para trás
Põe os demônios na caixa
Serve da ira apenas o furor
Pois já sabe bem
Transformar veneno em mel
No labor
Sem pudor
Só sabe ser em alegria transbordante
Em humor desconcertante
Em laivos de loucura
Em termos de cuidado
Em gostos de desejo
Em trilhas de verdade
Em pura autenticidade
Procura por outros sentidos
Por novas texturas
Pois ama todos os ritmos
E todas as cores
Todos os intentos
Todos os amores
E por isso
Só pra você eu conto
Que acredito sim nas vidas sem fim
Pela prova de que duas almas perdidas
Por mil motivos ímpares
Por dimensão, pares
Foram se encontrar
Nas circunstâncias miúdas dessa vida
Pra partilhar um pouco dessa alegria
dos encontros certos que nem o Freud explica
E que chamamos de amizade.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Enquanto ela dorme

Preparei a cerimônia
para celebrar
o sostício dos seus olhos
que noite alguma jamais conseguirá adentrar
e penso todos os dias
no poema mudo que me recita
toda vez que se deita
e se deixa levar
para a superfície incerta
sua delicadeza hiberna
e não se precisa
a leveza que desperta
enquanto ela dorme

Curral del Rei

Essa BH
que de dia é Maria
de noite é João
de noite é inverno
de dia é verão

domingo, 19 de junho de 2016

Andaluz

Eufórica
E alcoólica
Eternizada
Num lapso de nada
Metaforizada
Em palavras porcas
E significada
Nas letras tortas
Notas claras
Imagens opacas
Viscerada
Na pele morta
Ela toda
Viva e solta
Em volta
o ar faz marola
Ela arfa
E se derrama
Para fora do pouco
Recinto-corpo
mina
tina.

Lastro

Espantei-me com o adiantado da hora
E perguntei, o que é hoje você pra mim?
Não é mais corpo que desejo
Não é mais boca que beijo
Não é mais motivo pelo qual me esqueço

É você ainda pelo menos um frescor que se evapora?
É um ponto onde o pensamento se demora?
Me vasculhei e não te encontrei
Em nenhum lugar

Acordei me sentindo livre
E com a perpétua sensação de estar a me desfazer
Mas ainda assim fiquei feliz
Pois não tinha a ver com você

É, nem que seja, uma lembrança válida?
Uma aposta boa, uma alegria vaga?
Realmente não
E com os dias você se apaga
Com o passar dos meses não será nem mesmo uma marca
Desculpe, amor
Mas você realmente trabalhou
Colocou pedras, se empenhou
descobriu vielas, destacou as setas
do caminho para significar nada.

domingo, 29 de maio de 2016

Morte súbita

As linhas
Ah, as cores
As molduras
Meu Deus, os sabores
Certos sons
Não são muitos, mas
alguns tons
Se eu pudesse encontrar
aberturas
nas nuances
de qualquer dessas coisas que tem vida
com gosto
sim, moço
com sorriso no rosto
nelas eu morreria.

Au revoir, muse

Das coisas mais belas que já vi
Está o seu sorriso de despedida

No dia que fui embora da sua vida
Eu comecei a sentir

E de tudo que já aprendi
a melhor foi não amar
se for para torturar
o pouco que fiz de mim.

Calm like you

Um dia lhe darão uma sentença
Que irá te aprisionar
E te transformar em um pedinte
de calma e atenção
Vão te impressionar
e depois avisar que não pode
que não consegue
e que você não é nada

Vão te colocar um chapéu
e te chamar de bobo
depois te chamarão de louco
e você não terá mais nem o direito de perguntar

Vão te obrigar a ser suficiente
Quando você só quiser estar morto

Vão te pedir decência
E te castigar pela falta de essência

Estarão esperando você errar
Para te colocar no seu lugar
E te fazer entender
Que você não é nada

não é nada

Te trabalharão em fios tortos
E tudo que você sentirá
é que é pedra mal entalhada
Não é nem o machucado
É a casca
É descartável
e inútil
lixo comum e entulho
te destituirão da sua possibilidade de ser

Te contarão boas histórias
que você não poderá viver
será forçado a obedecer
a leis que não criou

Vai sentir-se invadido
Por uma vontade estrangeira de amar
de ser feliz
e de ter uma vida
e até morrer será difícil
até soluçar será culposo
talvez te prendam em manicômios e hospitais
por abandono de si mesmo
como pena pela percepção
de que não vale a pena
as cartas já estão postas
e não há nada para além da opressão

Te perturbarão
De modo que tudo que você poderá esperar será condescendência
Ninguém vai te perdoar
Você estará só
e poderá esquecer-se em longos anos
em que se preparará para ser só mais um sentindo dor

e hoje
mesmo hoje
em que você já se perdeu
e que fala comigo como se houvesse sentido
mesmo hoje
com sombras que anteparam certos motivos
nas minas sujas sem minério
já lavradas, escavas, suprimidas
onde você terá se agarrado?
mesmo hoje, quando você é capaz de jurar
esse ensaio bizarro que é a sua vida
esse circo de mau gosto
onde a plateia está virada de costa
cada um chorando em silêncio
como é que você poderá ter certeza de que não foi enganado
de que não está débil?

que o seu deus humanizado te abençõe
que a sua crença te vingue
que a sua felicidade te salve
e sua certeza (pela qual morre)
te consolem no abraço de despedida
que saibam te dar dignidade
te cegar à crítica
à consciência da futilidade
que você possa ser peça boa
no primado da artificialidade
que é hoje
e para sempre
todos os dias

domingo, 22 de maio de 2016

Nua

Ainda nela
E fixa
Ela morta
E sua boca já maldita
Veio prenunciar
A nossa inócua despedida

Brilha
Já que não mais respira
E fica
Entremeada de reticências
Das notícias íntimas que ninguém nunca soube

Grita
Nem seu eu te ouve
Sua garganta silenciada
Engasgada de franco vazio
Se era pela boca que sofria
Hoje não mais se despedaçará

Esquecida
E ausente na própria vida
Nunca ficava, nunca estava
Era necessário fazer morada
Em outro lugar
O eco das antessalas ocas
O oco dos olhos cegos
de ver sentido
Frios

Atrás dela
E ainda vívido
Rostos que não são dela
Manequins
Histórias que não nomeiam
Pronomes falsos
Promessas
Em nome de ninguém

Dela
Meio pouco
Pudera
Fizeram dela
Fosso
Poço
Onde ninguém deseja
Não jogaram moedas.

domingo, 15 de maio de 2016

Valsa

Ai de mim
que não sei ser harmônica
Mas que pra viver
Preciso continuar dançando

Sem chão


Limbo

Vocês já estão vindo?
Perguntei pro escuro
E tropecei a esmo
Correndo e ficando
Tremendo e rindo
Eu perguntei pra voz soturna
Estará aqui para me salvar quando for a hora?
Estarei com o corpo já à espera
Facilitei as vias de acidentes
Emigrei os cortes e as pontas para minha cama
E quero esvair-me e impregnar
Tudo à minha volta
Ainda estou viva?
Não sei ser
Minha boca rápida
Meus olhos vívidos
Sendo atropelados pelo caos da toda-hora
Deles eclodem verdades que não são minhas
Retas tortas
Fantasias mortas
Conseguiremos?
Escutar o chamado de dentro
vender-nos na gritaria de fora?
Será que já estamos morrendo?
Não estou mais em mim
Fiquei no caminho
Procurando minhas histórias
Pagando o que estou me devendo
Dedilhando minhas notas
Já é o fim?
quando é que volta?
como que que se colam?
partes de mim

Pompeia

Lampejo
ou lava
Agnosia
ou graça
Amor
ou falta
Divina prova
Migalha
Rotina
Mortalha.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

Jane

Não há mais luz na nossa figura
Mudaram os focos
Trocaram as cores
Apagaram as minúcias
Não nos reconhecerão mais
Faremos inventários
Das nossas dúvidas
E nos deitaremos na escada
Pra sentir a Terra em movimento

Mesmo que só em nós
Permaneceremos.

Do descontínuo

Fizemos ensaios do nosso estasiamento
Jogamos sério
Contamos casas
Moinhos de vento
Escrevemos cartas
Palavras do nosso sustento
E hoje ao ver
Tão obscuro o nosso encontro
Truncado o seu silêncio
Creio-te desvairado em pensamento
Mas ainda escravo do próprio pecado imaginado
Se te tento, intrometo, te temo
Vem dos percalços e se diz impossível
Resto inconciliável
Figura ausente
Negação autodelirante
Autocensura
Autocomiseraçao
Ainda não sabe que é esboço apagado e transparente
Ninguém te detém
Ninguém te contém
Ninguém te ama
E como rei do próprio império caído
Figura resplandecente na própria escuridão
Totem mitigado pelo próprio tabu
Fica fraco, pouco, vulgar
Fábrica solitária e indistinta
Morre no precipício das horas
Aniquilado na estupidez dos dias.

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Retrato

O enganar-se topa com o depois
Se depositando no fundo da sede.
É tênue, não se sustenta.
É fraco, arrebenta-se.
Se é só o pó
Aquilo que sobra,
É só o pó o que vejo.
Não é nada, no fim.
Nem memória.
Porque memória se desfaz,
E é na falta que se aconchega.
Na verdade, no abraço do vazio.
É em terras firmes que anda

Descalça. 

domingo, 10 de abril de 2016

O movimento

Participei
da minha vida
como um disco roda
repetindo
o que em mim foi gravado
e no lugar dos arranhões
erros
e na forma de continuar
circular
de longe, zelo
mas em detalhe ranhuras
                         desejos?
ainda não sei
qual é a música que ouvem
se há ritmo
mas há algo que sola
e consola
o zumbido
que vem de dentro.

sábado, 2 de abril de 2016

Areal

Com tantas figuras,
Sem muitos porquês
Fui deixada várias vezes
Por você
Por todo esse tempo.
Desfeita, reencontrada.
Revista, refigurada.
Hoje sou outra
E não sou mais deixada.
Não por você.
As beiras-águas,
Entretanto,
Continuam molhando os meus pés
Que marcam a areia
Descobertos pela água.
Se hoje não vem mais,
Vou outras, várias vezes.
Não sou a mesma, outros nomes.
Construídos de areia.

quinta-feira, 24 de março de 2016

Cristina

Correu de saia curta
No meio da ventania
Carne da cor de cortiça
cara de quem se cala
Carrega coisas ocultas
Que não sabe nem usa
Compra coisas cultas
Que não entende nem ousa
Caso ela se case
Com festa, de sapatilha
Branco,véu, grinalda
Carro e comitiva
Coisa cara, benção divina
Cairia ela
no campo das maravilhas?

segunda-feira, 21 de março de 2016

Nox

Poderá ele ser livre?
se à noite
vira
e dorme
abraçado
confortado
[devorado]
com suas dores?



Degradê

Quão poético pode ser
um óculos sobre um livro
o vapor do chá de hibisco
um passo à frente no abismo?



sexta-feira, 11 de março de 2016

Vírus

Respirava ofegante
procurando sopro de vida.
Enchia-se, entretanto, de fumaça.
Pigarreada, engasgada, cristalizada.
Habitas?

sábado, 5 de março de 2016

Anônimo

Põe na ponta do seu verso a sua alma livre
E decanta a sua natureza nos chãos da nossa trilha
Escreve a sua fome
de sentido
E a sua vastidão, aquela da qual definha
Faz dela a sua filha
e dela cuida
até sumir a dúvida
Para que o seu céu não venha a ruir
consumido em demasia
pela indelicadeza dos corpos
pela incapacidade das mentes
que mentem
por não conseguirem sentir.

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

A volta

Chega alto
e respirante
chega súbito
e mortífero
vem como se acordasse de uma noite insone
vem como se não ousasse devastar o mínimo
e chega como um ponto no horizonte
chega como coice
chega como o riso que se ouve no escuro
é cascata
corredeira
rio que deságua no desespero
vem como se não houvesse mais jeito
último pedido
devaneio
vem para dilacerar
vem para mostrar
que não desapareceu
é nervo, sublima
mas é corda, que arrima
as paredes que não construí
vem chuva que lava
a tristeza que cai dos olhos
vem tarde para afastar
os olhos famintos e as tentativas de estasiamento
vem defender
a fina alheia segurança
a loucura era só sinal de fogo
não há mais carvão
e vem cinza
chega para mim topo
e chega para destruir
vem e traz desgosto
vem com arma, polígono de chumbo
faz vítima, matilha de choros
vem sangue
corre e não estanca
é face, é lira, é viga mas também é osso
é pote que carrega o ouro
é posse dividida
latifúndio sem dono
mesmo quando vem sol
e crista vida na sua terra
morre o cipó que não dá curva
perde a liga que lhe enverga
mia clara a sua fissura
e nem por ela pode passar.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Não há

Eu perdi a medida
E me enchi de certeza
De que o incerto,
Cego, seria o amanhã.
De tristeza seria a vida
Gélida e pálida, 
De enganos travestida.
De estranhas, rubras,
Afoitas as despedidas
Que, indelicadas,
Lembram o não estar mais aqui
Por que me chamas?
Se não sei, não sinto.
Não há começo.
De futuros nos traçamos
Imaginamos, marcados passos
Pelos caminhos
Desejosos a se cruzarem.
Pena, não temos nem o agora.
De angústia eu me faço, te lembro
Te penso, te reinvento.
No nada, temos os abraços,
 Certos de que nos perdemos
Em Vênus, de correntes de nãos.
Não existe, não há, não cá,
Não aqui. Não, você não está.
Transbordei em descaminhos,
Saudosos afagos, ternos beijos.
Em negação eu me desfaço, tudo que já era
Pedaço.
Me tornando menos, sumo mais.
Acabo em raros desertos
E se me destruo, te aborto, expulso.
 Morta a tua saudade, memória,

Existência. 

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Smashed

Vou
Sem nunca ter estado
Virei pó
Sem jamais o sólido ter experimentado
E senti o sabor de nunca ter ficado
Às sombras de mim
Atrás
Fui inquieta me perdendo
Achando labirinto em vento
Ainda que sempre tenha sabido
Que fui feita em pedaços
(na calma da noite)

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Epígrafe

Sob os pés, terra seca.
Sujismunda, vaga o riso frouxo.
Desaprendida das lições da vida,
aceita a próxima canção
como convite ao mundo novo
construído de nãos. 

Prólogo

Do adeus era o ontem,
hoje já não tem mais.
Os dias renasciam com o mesmo rosto,
mas o tempo fugaz
só fazia relembrar que morria
em cada esquina que não lhe achava.
Estavam fartos aqueles olhos.
Em jardins, cansou de procurar
tudo aquilo que o espelho não conseguia
encontrar.
Desfigurada, fatigada, sem pele, sem gosto,
sem corpo,
disforme.
Mãos que derretiam
ao agarrar seu coração
doentio.
Era febre e disparo, era o gatilho, o recomeço,
berço.
Era prece ajoelhada, era pó
o que restava.
Era tudo e era pouco, era o fim
e era o osso.
Por ela, contramão.
Estrada naufragada, transbordada
na própria vida
que mal começara a viver. 

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Fora pouco, o agora

Se agora se agarra
à borda e se nega - 
preso em redenção -
entre as amarras,
perde o tempo que se foi.
Se é água o que fica
Temporária, transitiva,
transitória e que obriga
a jorrar-se pelas sobras,
pelos esquecidos, clementes.
Jorram lágrimas fora,
a saudade que ficou.
Se não tem vez o que vem,
o que vê é nado-morto.
Sem armas, carrega a culpa,
cicatriz desfalecida,
pigarreio de vida.
Sem nada e sem agora,
sem depois e sem bagagem.
Sem o sim de quem espera
o descarrilo da vontade.
Sem desejo e sem esquadro.
Sem métrica, sem marco.
Respira fundo e trepida,
desejando os pés no chão.
Pés descalços, refugiados,
que forjam fuga ao movimento,
não conduzidos pela correnteza,
Presos pela certeza.
O que vai, no entanto,
é contramão, sorte lançada.
É então liberto,
Pelo desejo quase sincero
De se manter  firme em cais de porto.
Desembarca, pois, de dor e solidão.
Levado, depois do sofrimento, ao perdão.
Se joga, nada, ao vento.
Respira insegurança, se fantasia de acaso.
Aceita o incerto.
Ao senhor desiludir, agradece a voz solene.
De lágrimas, navega em mar construído à semelhança.
De punhos abertos saúda,
mudo em sopro surdo,
avisa que é apenas de se entregar
o viver. 

sábado, 16 de janeiro de 2016

Não amarás

Eu peço que venhas
de tarde
e que com crueza
e despido do teu medo
me beije a alma
devassa-me
e dê-me a certeza
de que à mim ou àquelas
não amarás

Esteja em todos os lugares
percorra o meu altar com sua saliva
me livra
da vontade de te deixar
permita-me pedir e ordenar
hoje e amanhã
não amarás

Para aquecer ou escurecer
Desertos em mim
Oásis em você
Para partir e para ficar
Ruínas em mim
Muralhas em você
Para te ter ou para arder
Queimar
e renascer
A mim
Não encontrarás
Não amarás

Tão suave
e tão distante
na minha mão
não vejo onde
Avante
somente pó
Envolve-me em finura
em nó
Urtiga que queima os olhos
e a boca
e meu amor
não terás
Não mais
amarás

Tira-me toda de tua sombra
Faz-me aldeia, casa com pilar
Preenche-me da tua insônia
Para morrermos juntos de madrugada
Agregados
Arfando
Dizendo entre beijos nossas juras
Através de nossos olhos apressados
Permeando-nos com nossos segredos
Estranhando a sede de nossos desejos
e eu te somando a mim
Amando-te mas praguejando-te
Viverás
Em êxtase
Estarás
Sozinho
Mas nunca saberás
Da morte que revive
Da dor que satisfaz
Nunca
amarás

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Náufrago

Já te fizeram acreditar
Que era pequeno, pálido,
Insosso.
Pó de pouco,
Resto de fibra, olhar perdido.
Já te fizeram acreditar
Que era invasivo, torpe,
Veneno,
Vazio.
Que era vão o caminho,
A estrada torta,
Escuridão.
Já te fizeram acreditar que o fim era certo,
Perto, cego, turvo, grosso.
Que era logro, inválido,
Inviável, podre.
Tentaram e,
Na tentativa,
Entornaram a vontade da vida,
Da fuga,
Transbordaram a falta, o oco, o eco,
O sentido ínfimo.
Tentaram e,
Hoje, mediocridade,
Silêncio, acidente,
Tarde e passado.
Hoje, nada, arrependimento,
Criatura, repugna.
Hoje, falência, dor

E náufrago. 

domingo, 10 de janeiro de 2016

Dear

Só te penso em aflição
Em disritmia
Em nostalgia
É porque te quero em demasia
Não sei mais se é o céu que firma
Ou o fosso que se abre no chão

Com seus olhos de lobo
Seu olhar de cão
Seu riso um pouco doce
Parece uma sentença
Executa em mim prisão

Quando desce a tarde
Já traço em mim tremores
Peço a Deus perdão
Alívio do castigo
De encontrar-te no meio do caminho
Sem nenhuma decência
Sendo apenas perdição

Sou em paz, urgência
Contingência única e desastrosa
Só penso no que me tole
Só desejo o que me mata
Te quis único e invariável
Te pedi claro e pouco
Veio-me turvo e louco
Te recebi em exagero
Te deixei por confusão

Com sua boca suja de demanda
Com seu gesto impuro, desconstruído
Que sempre duvida
Que sempre afoga
Todas as providências
Meus sons e minhas reticências
Com sua mente crédula mas pouco límpida
Com sua palavra cheia de inércia
Crava em mim a sua descortesia
Fere
Trucida
Minhas últimas tentativas

Só te penso em sofrimento
Em desalento
Em omissão
É porque te desculpo menos a cada dia
Não sei mais se é porta aberta
Ou passo em falso no precipício
Vertigem
Ou fuligem
Ilusão.