domingo, 22 de novembro de 2015

Diálogos do submundo

O tempo, esse velho astuto e rude, me deixou com a garganta seca. Eu tentei respirar fundo, prender o ar por alguns segundos e depois soltar, vagarosamente. Infelizmente, imersa na realidade. Tudo que tive foi aquela Frida me dizendo o que fazer. Deixar pra trás e seguir, é o que todos fariam. É o que se deve fazer. Sim, claro. Elementar, não fosse a lei independente que rege um psicológico meio fodido de tempos em tempos. Eu quase não tive coragem de dizer algumas verdades pro espelho depois que tudo passou. Eu sempre achei que apontar os erros com o indicador imperativo fosse uma estratégia eficiente de atentado ao pudor da sanidade. Não funciona realmente. Veja bem, o que acontece é a abertura de uma fresta por onde espreita a Urgência, esse bicho que insiste em se portar como uma úlcera.
A verdade é que eu tentei fugir de várias maneiras, mas eu nunca me deixei escapar pela janela do ônibus, aquela greta por onde você baforava a fumaça do seu cigarro. Eu quis me disfarçar de ponto cego pra você tropeçar na rua e quebrar um dos tripés da sua vida, eu só não consegui ser tão má. Eu não sei o que me faria sentir mais viva: espalhada fumaça cinza em seus pulmões ou usar aquela fantasia pra qual você não suportaria olhar. Em vez disso, eu me fiz sem face, sem nome, sem endereço. Eu morri e nem sei em qual mês.
Hoje remendada, pouco menos que a falha. Hoje eu tento me afogar em qualquer teor alcoólico meio raso, pra poder sentir o estrago aos poucos. Hoje eu me fiz de boba, usando aquela camisa desabotoada na gola, por onde escapa a falta de ar. Hoje eu sou falta de foco, falta de colo, hoje eu sou par de meias inutilizáveis pela posição fetal exigida pelos músculos, que preveem uma atrofia generalizada da vontade. Hoje eu sou pó, nem lembrança. Hoje eu sou a voz sussurrando perto do martelo pra fazer ritmar contrações involuntárias de pêlos periféricos pelo corpo, o qual um dia pôde ser realizado por uma experiência quase concreta.
E é tudo, eu durei enquanto prestei. E foi pouco. Não mais que noites de um verão qualquer. Eu quase me devorei na órbita do seu umbigo. Eu deveria. Como eu poderia saber? A verdade é que, nesse jogo, você se engana ao pensar que saiu ganhando. O tempo dobra a próxima esquina, você ainda se deparará com a pressa falida e cega. A culpa também foi sua. E não adianta assobiar alto, o perigo tem bons ouvidos. E contra nós, meu caro, você é o pior inimigo. 

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