sábado, 19 de setembro de 2015

Anunciação

O perfume anuncia
A boa nova da sua chegada:
Inimaginável surpresa.
O crepúsculo naufraga
Na tentativa falida
De fazer semelhança
Ao rubro, ruivo reflexo
Dos cabelos
Que abraçam seu corpo.
Misteriosas sensações
Veladas, reveladas
Embaladas de calmaria.
De insipidez você se veste
Enquanto vou despindo,
Descobrindo, provando
Essência suave, leve
Cuidadosamente escondida.
Eu já escuto os seus sinais
De longe, se aproximando.
Meus olhos se alegram
Ao ver que os seus me veem
Sintonia percebida aos quatro cantos.
De lados opostos do equilíbrio
Você me mantém sorrindo.
Escapamos, fugimos
No blefe de sorte instantâneo
Dos nossos caminhos. 

Angst

Daqui, tenho pouco.
De passagem, desencontros e palavras inválidas.
Me adequando ás circunstâncias, até quando
Se assumir, se tirar, se gritar...
O que resta é fogo, inquietude, ansiedade.
É rasa essa verdade.
Tenho mais da ausência
Do tempo urgindo
Me engolindo,
Mastigando.
Deglutida, digerida.
Misturada.
Tenho mais da fuga, da incerteza,
Da contagem estremecendo meus dedos.
Considere os fatos
O (quê) do agora me pertence:
Finitude, incompletude.
No fim, sou vontade. 
Resto de possibilidades
A ponte que se faz querer
Continuar, mover.
Em busca do inexistente, inalcançável.
Tortura essencial
Que sufoca com ar
Dispensando o último suspiro.
Ainda e, por isso,

Viva. 

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Esfinge

Decifra-me ou lhe mato
por dentro
Aceite-me ou lhe despedaçarei
uma e outra vez
por noites sem fim
Escapa-me. Sou alheia à sua vontade.
Sou externa ao seu desejo
Prometo-te. E quando o faço, faço por inteiro.
Colocando a vida à prova se precisar
Estou do lado de fora
Enche meus ouvidos de silenciosos enigmas
Pisa no meu modo de manejar
Decifra-me e saberá qual é a história que quero contar
Desafio-te e nem percebe
Fico sempre na margem. Fim da fila. Longe da chegada. Cercando as bordas
Mata-me em severidade
Isola a mim e a você
Em rios paralelos
Em fortes seguros
Longe da chuva
Fingindo que se importa
Me violenta em múltiplas omissões
Me viro diante do seu corpo
Em espasmo incontrolável
Eu odeio a sua miséria
Implorando pro seu espírito
o veneno agridoce que embala esse martírio discreto
Tirando o ar com o êmbolo da seringa
que sou eu
E que todos sabem
Mas que você não deseja saber
Tira-me de suas mãos
Esquece-me
Por favor, parta
Por mim e pra você
Não elejo nenhum réquiem para nós
Não marco nossos dias no calendário
Estou sempre muito, muito longe de sentir
Alocada naquela frequência que você negligencia
Que você não visita
Não entende
Não sintoniza
Estou ouvindo a música sozinha
Não decifro-te
Não te acesso
Não lhe falarei
Achei que podia
Achei que conseguia
Achei que tinha um pouco
Mas nem no olho te recolho
Nem do corpo tenho esboço
Achei que te teria
Mas hoje nem te reconheço
Achei que te queria
Mas hoje sinto só medo.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Ello's

Aos nossos laços
Entrelaçados por tantos anos
Por tantos versos e desenganos
Às nossas almas quase livres
Queimando em chamas azuis
Ardendo, insaciáveis em obscuridade
Desmontadas, em traços finos desenhados
Confeccionados pelas tuas mãos pequenas
Construindo nosso castelo de areia
Em pilares fundamentais
Uma à outra.
Somos trocas ativas, reativas  
Aprisionadas em corpos pequenos
Contrastante espectro de cores
Da noite, início em ti.
Clareando, chega em mim
Degradê.
Somos paleta de possibilidades a serem executadas
Acontecemos sem delimitação
Concomitante difração, indissociação.
Tens minha admiração
Por teu espírito, o meu se alegra em presenciar-te.
És parte de mim, disfarçada em máscaras mil
Disposta a descobrir-te as próprias faces
Ali existentes
Maneira sublime,
Sublimada no existir.
Para sempre ello's nosso
Marcadas a fogo pelos caminhos
Caminhos nossos
Permitiram nosso ello's
Ello's de elle's
Se encontraram.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Aniversário

Olhos de gato
Puxados, são finos, enluarados
Faz-se prece na sua longinquidade
Faz-se verso com a água que deles empoça embaixo
O pensamento que vaga na orla
Não aceita submissão, não precisa de permissão, nada longe da borda
Orda
De sonhos
Desgrenhados
Estão ficando turvos com o mau tempo, mas
Não serão arrebanhados
A certeza não se perde de vista
Pois a alma que os porta é firme, mística
É leve, supõe o desnível
Veste-se de brisa, aparta a violência os encontros
Com desejo, ampara o tremor da carne
Impõe-se viva, através da incerteza
Desvia os olhos da crueza impossível dos dias
Vinga na colheita infértil da vida
Reluz em inexatidão
Que é a nota que te distingue
Ponto que te traça
Teor que te compõe
Fio que tece o desfecho
Te leva nos braços
Te solta nos existires alheios.


Por Gabrielle Torres
Para Drielle Barbosa

Idem

Eu morrerei aos teus pés quando a chuva começar a cair.
Correrei pelos corredores da sua casa pedindo morada,
tocarei o seu corpo, enxugarei na sua toalha, penetrarei na sua rotina.
Perfurarei todo o espaço vazio, musicarei o seu silêncio, consertarei o seu cansaço.
Eu andarei em círculos até que você ache uma saída.
Eu estarei olhando por você no meio da multidão, me guiarei pelo seu perfume.
Me farei de alimento para que você suporte mais uma dor.
Estarei presente na decepção de cada dia, no repousar de cada lágrima.
No doce de cada presente, no timbre da voz que te embalar.
Eu estarei na primeira fila quando ele cantar.
Estarei presente em cada memória que você matar,
 para onde você tentar fugir.
Eu serei o seu arrependimento mais fiel,
a imagem no espelho refletida e negada três vezes.
Eu serei sua companheira nos dias frios e nos cálidos.
Serei a ausência que você tentará reparar.
Serei suas facetas e seus truques, serei o seu sorriso.
Serei o seu arrepio.
Serei a vontade incontrolável e impenetrável no tempo.
Serei a verdade te balançando a cabeça e te revirando o estômago.
Serei o passado desgarrado e mal vivido.
Serei o fundo do poço e,
quando você finalmente acordar dos seus desencontros,
serei água escorrendo
da sua nascente. 

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Ode à desagregação II

Depois de velha fiquei covarde
Depois de santa virei demônio
Depois de tentar e não conseguir
cheguei num ponto em que não desejo mais nada
Depois de recusar tudo comecei a me alimentar de migalhas
Depois de escolher o certo comecei a fazer errado
Depois de tanto me isolar
comecei a odiar a solidão
Ainda que por lugares conhecidos
Corpos sólidos
Sinto o chão desaparecer todos os dias
Sinto a voz sumir
A vontade ir e não voltar
Sinto o corpo tremer
O pensamento desalinhar
Antes eu tão certa que queria o céu
fui me prender a vários pedaços sem forma
Coisas terrestres
Depois de desfazer fui te amar
Fui tentar sentir dor para sentir vida
Consegui
À noite espero você em sonhos
Visto plumas e me perfumo
Deleito o corpo em doces canduras
Ignoro o sutil ardor da carne
Gosto de sangue na boca
Gosto de fel na vida
Grito extremo, triste e rouco
Soa como um apelo desesperado
Espera ridícula
Faz de mim nada
Mais uma vez me transforma em névoa
Restos
Leva de mim o melhor
Meu sabor, minha alegria
Até o brilho do meu cabelo
Desprezo
Entristece a minha feição
Enrubesce o meu orgulho
Tira de mim o ar de desafio
A certeza, a despreocupação
Coloca o sentido em frangalhos
Corta a pele onde ela é mais fina
Tira a luz dos meus dias
Finda a esperança
Desavença, cobrança
Alcança o protótipo primeiro
Não resolve
Limita a sensação de prazer
Anula em mim o anseio por pecado
Fatiga a minha alma, desanda a reza, rompe o envólucro
Persevero em não cuidar de você, em não te aliar
Em não te colocar entre as esperas minhas
Entre as ideias que tenho
Entre as dores que me partem
À guisa de fazer verdade
Suspeito que nem sou mais
Eu que antes água agora sou matéria indistinta
Segurando nas bordas
Tentando ter ar, tentando me afogar
Eu que antes me calava não mais sorrio
Pareço uma injúria
Uma divisão
Uma aberração
Pela conjugação de torpes incoerências
Eu que antes forma
Agora desapareço
Antes minha
Antes fúria
Agora enlouqueço
À mim não mais detalhes
Pedidos, altares, alardes
Leva pra você um pouco de frescor
Não tenho mais para onde ir dentro de mim
Eu que antes medo
Agora nem me anuncio
Agora sou só triste
Agora não mais me presto
Não mais me quero
Não mais me basto
Eu que depois de velha ganhei tato
Fiquei frágil
Uso palavras que não me tocam
Pra falar um pouco dessa escuridão.