segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

A volta

Chega alto
e respirante
chega súbito
e mortífero
vem como se acordasse de uma noite insone
vem como se não ousasse devastar o mínimo
e chega como um ponto no horizonte
chega como coice
chega como o riso que se ouve no escuro
é cascata
corredeira
rio que deságua no desespero
vem como se não houvesse mais jeito
último pedido
devaneio
vem para dilacerar
vem para mostrar
que não desapareceu
é nervo, sublima
mas é corda, que arrima
as paredes que não construí
vem chuva que lava
a tristeza que cai dos olhos
vem tarde para afastar
os olhos famintos e as tentativas de estasiamento
vem defender
a fina alheia segurança
a loucura era só sinal de fogo
não há mais carvão
e vem cinza
chega para mim topo
e chega para destruir
vem e traz desgosto
vem com arma, polígono de chumbo
faz vítima, matilha de choros
vem sangue
corre e não estanca
é face, é lira, é viga mas também é osso
é pote que carrega o ouro
é posse dividida
latifúndio sem dono
mesmo quando vem sol
e crista vida na sua terra
morre o cipó que não dá curva
perde a liga que lhe enverga
mia clara a sua fissura
e nem por ela pode passar.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Não há

Eu perdi a medida
E me enchi de certeza
De que o incerto,
Cego, seria o amanhã.
De tristeza seria a vida
Gélida e pálida, 
De enganos travestida.
De estranhas, rubras,
Afoitas as despedidas
Que, indelicadas,
Lembram o não estar mais aqui
Por que me chamas?
Se não sei, não sinto.
Não há começo.
De futuros nos traçamos
Imaginamos, marcados passos
Pelos caminhos
Desejosos a se cruzarem.
Pena, não temos nem o agora.
De angústia eu me faço, te lembro
Te penso, te reinvento.
No nada, temos os abraços,
 Certos de que nos perdemos
Em Vênus, de correntes de nãos.
Não existe, não há, não cá,
Não aqui. Não, você não está.
Transbordei em descaminhos,
Saudosos afagos, ternos beijos.
Em negação eu me desfaço, tudo que já era
Pedaço.
Me tornando menos, sumo mais.
Acabo em raros desertos
E se me destruo, te aborto, expulso.
 Morta a tua saudade, memória,

Existência. 

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Smashed

Vou
Sem nunca ter estado
Virei pó
Sem jamais o sólido ter experimentado
E senti o sabor de nunca ter ficado
Às sombras de mim
Atrás
Fui inquieta me perdendo
Achando labirinto em vento
Ainda que sempre tenha sabido
Que fui feita em pedaços
(na calma da noite)

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Epígrafe

Sob os pés, terra seca.
Sujismunda, vaga o riso frouxo.
Desaprendida das lições da vida,
aceita a próxima canção
como convite ao mundo novo
construído de nãos. 

Prólogo

Do adeus era o ontem,
hoje já não tem mais.
Os dias renasciam com o mesmo rosto,
mas o tempo fugaz
só fazia relembrar que morria
em cada esquina que não lhe achava.
Estavam fartos aqueles olhos.
Em jardins, cansou de procurar
tudo aquilo que o espelho não conseguia
encontrar.
Desfigurada, fatigada, sem pele, sem gosto,
sem corpo,
disforme.
Mãos que derretiam
ao agarrar seu coração
doentio.
Era febre e disparo, era o gatilho, o recomeço,
berço.
Era prece ajoelhada, era pó
o que restava.
Era tudo e era pouco, era o fim
e era o osso.
Por ela, contramão.
Estrada naufragada, transbordada
na própria vida
que mal começara a viver. 

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Fora pouco, o agora

Se agora se agarra
à borda e se nega - 
preso em redenção -
entre as amarras,
perde o tempo que se foi.
Se é água o que fica
Temporária, transitiva,
transitória e que obriga
a jorrar-se pelas sobras,
pelos esquecidos, clementes.
Jorram lágrimas fora,
a saudade que ficou.
Se não tem vez o que vem,
o que vê é nado-morto.
Sem armas, carrega a culpa,
cicatriz desfalecida,
pigarreio de vida.
Sem nada e sem agora,
sem depois e sem bagagem.
Sem o sim de quem espera
o descarrilo da vontade.
Sem desejo e sem esquadro.
Sem métrica, sem marco.
Respira fundo e trepida,
desejando os pés no chão.
Pés descalços, refugiados,
que forjam fuga ao movimento,
não conduzidos pela correnteza,
Presos pela certeza.
O que vai, no entanto,
é contramão, sorte lançada.
É então liberto,
Pelo desejo quase sincero
De se manter  firme em cais de porto.
Desembarca, pois, de dor e solidão.
Levado, depois do sofrimento, ao perdão.
Se joga, nada, ao vento.
Respira insegurança, se fantasia de acaso.
Aceita o incerto.
Ao senhor desiludir, agradece a voz solene.
De lágrimas, navega em mar construído à semelhança.
De punhos abertos saúda,
mudo em sopro surdo,
avisa que é apenas de se entregar
o viver.