quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Love in the afternoon

Fotografia by Gabrielle Torres. 
Não era muito mais que saudade e nostalgia ao sentir o perfume das roupas entendidas no varal e ouvir os passos do carteiro trazendo o seu postal para mim. Os meus pés descalços, os cabelos envolvidos num grande girassol. E eu a sorrir imaginando a próxima vez que conversaríamos novamente. Você viria empolgado ao me contar dos frios ares do Atlântico Norte, do pontual chá dos ingleses e daquela bela arquitetura que esconde tanta magia. Eu, ávida, ouviria tudo imaginando cada detalhe. Esperaria, cheia de ternura, um longo abraço que terminaria no tão esperado livro que você prometeu-me. 
Mas, caindo em realidade, beijo o papel desenhado com sua grafia. Ainda posso imaginar cada gesto seu ao escrever-me. Provavelmente você o fez com o charuto entre os lábios, tragando saudade e engolindo a fumaça, entre um e outro ajuste no seu monóculo que insiste em cair. Penso em como as coisas estão acontecendo para você. Aqui, meu bem, o crepúsculo continua lindo, acompanhado do leve perfume dos lírios amarelos do jardim da casa vizinha. Ainda ouço naquela vitrola nossas canções preferidas. Minhas alvoradas têm sido de lembranças embrulhadas como os chocolates com os quais você costumava presentear-me. Sento-me no alpendre, sob a sombra da cerejeira que você deixou, ainda pequena, para que eu cuidasse. Precisa ver como está grande a nossa árvore. Com ela e os contos de Christie, a saudade do seu amor torna-se menos doída. Lembro-me de ti a todo momento. Mas, sobretudo, lembro-me de ti nas noites, nestas noites de primavera. É o período mais difícil de enfrentar sem ti, querido. Os vinhos já não são tão bons companheiros como antigamente. Lembro-me de quando você chegava acompanhado de um demi-sec e castanhas frescas para desbravarmos as madrugadas do mês de maio.  As escopas não são mais as mesmas sem ti, até nossos compadres reclamam da falta que você faz. Não visto mais aquele meu vestido de flores desde que você viajou. Na penteadeira, está aquele seu chapéu marrom que você não levou. Esse eu tenho usado frequentemente. Sabe? Ainda guarda o seu perfume. Aliás, como tudo nesta casa. Como eu, inclusive.
Peço que não te demores, querido. Ainda temos muito que viver juntos, que conversar. Temos que preparar o jantar. Dançar e amar. Não te demores, querido. Até Presley não tem o mesmo efeito sem tua presença aqui. 

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