domingo, 1 de fevereiro de 2015

Excruciante

Os gritos abafados daquela criança revelavam uma vontade enorme de não sentir aquela dor. Abraçava-se de forma estranha, como se quisesse desaparecer.  Suposto fato atroz dominava a atmosfera da sua vida. O que teria realmente acontecido ela não sabia, mas para causar tamanha dor bastava a dúvida. Não ouviria mais aquelas vozes? Não abraçaria mais aquelas pessoas? Ela preferia morrer a sentir a ausência. Era como se destruísse um pedaço do coração a cada nascer do dia. A lembrança não lhe abandonava. Para viver daquele jeito, a cada segundo sentindo o gosto amargo da morte, preferia partir de uma vez, sentir toda aquela dor pela última vez e definitivamente.
Tomando coragem, olhava para os braços e para a faca que se encontrava ao lado da cama. Via aquela macabra imagem infinitas vezes, revivia aquele momento terrível mais e mais uma vez. Não estava mais aguentando. Respirou fundo. Quis gritar e nunca ter existido. Pediu perdão a Deus por sua covardia e fraqueza. Ela não superaria aquela hipótese. Se contorcendo e gemendo baixo, as lágrimas já transbordando, olhou uma última vez para aquele instrumento cortante. Pegou-o com muita força, apertou-o contra o peito. Disse os doces nomes das pessoas que mais amava e sorriu. Serena, mais leve e viva começou a perfurar o pulso direito.  O sangue vermelho escuro começou a escorrer e contrastar com a camiseta branca.
Por incrível que pudesse parecer, a dor física era reconfortante perto da dor causada pelo possível recente. Para onde iria ela não sabia, mas não tinha medo, não se importava. Queria apenas esquecer por um segundo, deixar de respirar, deixar de sentir aquela dor.
Em seu último suspiro, reviveu em um segundo o que levou alguns anos para acontecer. E lembrou-se da feliz vida que teve.
Então partiu, doce, serena, como sempre foi. Como uma manhã de Natal.

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