domingo, 29 de maio de 2016

Calm like you

Um dia lhe darão uma sentença
Que irá te aprisionar
E te transformar em um pedinte
de calma e atenção
Vão te impressionar
e depois avisar que não pode
que não consegue
e que você não é nada

Vão te colocar um chapéu
e te chamar de bobo
depois te chamarão de louco
e você não terá mais nem o direito de perguntar

Vão te obrigar a ser suficiente
Quando você só quiser estar morto

Vão te pedir decência
E te castigar pela falta de essência

Estarão esperando você errar
Para te colocar no seu lugar
E te fazer entender
Que você não é nada

não é nada

Te trabalharão em fios tortos
E tudo que você sentirá
é que é pedra mal entalhada
Não é nem o machucado
É a casca
É descartável
e inútil
lixo comum e entulho
te destituirão da sua possibilidade de ser

Te contarão boas histórias
que você não poderá viver
será forçado a obedecer
a leis que não criou

Vai sentir-se invadido
Por uma vontade estrangeira de amar
de ser feliz
e de ter uma vida
e até morrer será difícil
até soluçar será culposo
talvez te prendam em manicômios e hospitais
por abandono de si mesmo
como pena pela percepção
de que não vale a pena
as cartas já estão postas
e não há nada para além da opressão

Te perturbarão
De modo que tudo que você poderá esperar será condescendência
Ninguém vai te perdoar
Você estará só
e poderá esquecer-se em longos anos
em que se preparará para ser só mais um sentindo dor

e hoje
mesmo hoje
em que você já se perdeu
e que fala comigo como se houvesse sentido
mesmo hoje
com sombras que anteparam certos motivos
nas minas sujas sem minério
já lavradas, escavas, suprimidas
onde você terá se agarrado?
mesmo hoje, quando você é capaz de jurar
esse ensaio bizarro que é a sua vida
esse circo de mau gosto
onde a plateia está virada de costa
cada um chorando em silêncio
como é que você poderá ter certeza de que não foi enganado
de que não está débil?

que o seu deus humanizado te abençõe
que a sua crença te vingue
que a sua felicidade te salve
e sua certeza (pela qual morre)
te consolem no abraço de despedida
que saibam te dar dignidade
te cegar à crítica
à consciência da futilidade
que você possa ser peça boa
no primado da artificialidade
que é hoje
e para sempre
todos os dias

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