Os gritos abafados daquela criança
revelavam uma vontade enorme de não sentir aquela dor. Abraçava-se de forma
estranha, como se quisesse desaparecer. Suposto fato atroz dominava a
atmosfera da sua vida. O que teria realmente acontecido ela não sabia, mas para
causar tamanha dor bastava a dúvida. Não ouviria mais aquelas vozes? Não
abraçaria mais aquelas pessoas? Ela preferia morrer a sentir a ausência. Era
como se destruísse um pedaço do coração a cada nascer do dia. A lembrança não
lhe abandonava. Para viver daquele jeito, a cada segundo sentindo o gosto
amargo da morte, preferia partir de uma vez, sentir toda aquela dor pela última
vez e definitivamente.
Tomando coragem, olhava para os braços e
para a faca que se encontrava ao lado da cama. Via aquela macabra imagem infinitas
vezes, revivia aquele momento terrível mais e mais uma vez. Não estava mais
aguentando. Respirou fundo. Quis gritar e nunca ter existido. Pediu perdão a
Deus por sua covardia e fraqueza. Ela não superaria aquela hipótese. Se
contorcendo e gemendo baixo, as lágrimas já transbordando, olhou uma última vez
para aquele instrumento cortante. Pegou-o com muita força, apertou-o contra o
peito. Disse os doces nomes das pessoas que mais amava e sorriu. Serena, mais
leve e viva começou a perfurar o pulso direito. O sangue vermelho escuro
começou a escorrer e contrastar com a camiseta branca.
Por incrível que pudesse parecer, a dor
física era reconfortante perto da dor causada pelo possível recente. Para
onde iria ela não sabia, mas não tinha medo, não se importava. Queria apenas
esquecer por um segundo, deixar de respirar, deixar de sentir aquela dor.
Em seu último suspiro, reviveu em um
segundo o que levou alguns anos para acontecer. E lembrou-se da feliz vida que
teve.
Então partiu, doce, serena, como sempre
foi. Como uma manhã de Natal.
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