Fotografia by Gabrielle Torres |
Obrigada por
deixar trancado aquele andar desritmado que soprava bravuras através da janela.
Aquilo me dava um medo danado da vontade que despertava, do impulso empolgante
de me jogar na travessia. Aquilo me dava asas para imaginar como seria soltar o
desejo em alto mar e esperar até naufragar no labirinto de possibilidades. Aquilo
provocava a inquietude característica do escapismo indômito, quase transbordado
em mim.
Obrigada por me
deixar em casa e me ceder a bússola, me iluminar os caminhos, me deixar as
pegadas. Aquilo me poupou trabalho com a flexibilidade infinita do vento. Aquilo
me deu as respostas para as perguntas que me impulsionariam para um depois
ainda variável. Aquilo me ditou uma ordem tão despreocupante, que refletir
sobre o meu reflexo se tornou evitável.
Obrigada por
fazer da minha vida um lugar mais confortável, menos disperso, mais estreito e
distante. Mais quieto. Isso me deixou menos confusa, menos desfocada. Isso
diminuiu o atrevimento de um descobrimento autônomo e responsável, diminuiu a
fúria da liberdade, acalmou e limitou o coração.
Obrigada por
deixar ser saudade o que seria experimentação vibrante e ilimitada. Isso desinstituiu
reis e rainhas ainda não apossados, decretou fins ainda nem começados, expulsou
ideias dançantes de pódios a serem conquistados.
Obrigada por
me obrigar a não questionar tanto e a aceitar, quase sorridente, tudo o que
seria imposto, cobrado, pago. Obrigada por exigir a sua taxa de manutenção a respeito
da posse das possibilidades.
Obrigada por
trancar tudo isso e não deixar fugir. Eu seria engolida por todos esses leões
travestidos de talvez. Obrigada por enjaular toda essa vontade e essência. Obrigada
por quase abafar todos esses gritos provenientes das bravuras sopradas através
da janela. Obrigada por quase me deixar satisfeita e quase me fazer crer que
não há nada além disso.
Obrigada.
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