domingo, 3 de maio de 2015

Devaneio

O acaso, a sorte, as contingências, o destino – ou seja lá o que se acredite que a vida seja – tem brincado comigo. Nada resiste à atrocidade do tempo. Infelizmente. Ou felizmente. O que torna uma vida possível de ser vivida, no entanto, é a capacidade que temos de esquecer – e aí eu me apoio em Nietzsche. Não me apoio em seu ombro, numa mesa de bar. Me apoio nas coisas que ele mesmo queria que se fizessem lembrar. Engraçado. A verdade é que, na verdade, não existe verdade. Existem fatos. Existem. Existem? Pode existir o fato isolado, ali, separado. Sem que seja interpretado. Mas, partindo dessa perspectiva, saímos do nosso ponto de referencial, abandonamos o principal sentido de ser – nós mesmos. O que damos ao fato, então, é um toque de subjetividade característico de cada um. E aí, meu caro, caímos na própria armadilha da qual tentamos fugir.
                O problema disso tudo, ou a solução, ou até mesmo não seja um problema ou uma solução, mas apenas o modo a partir do qual as coisas acontecem, é que estamos emaranhados em redes de sentidos criadas por nos e pelos outros, saturadas de “fatos subjetivos”, completamente relacional, passível de várias interpretações. Estamos todos ao relento. Eu sempre tive medo de estar ao relento, de não ter nada a que me agarrar se as coisas começassem a desabar sobre mim. E até hoje, tendo vivido o suficiente para perceber que é assim que a vida funciona, eu ainda não me acostumei. Eu não me acostumei com a ideia de ter que me adaptar à vida – não o contrário (sou de difícil adaptação).

                Eu esperaria concluir esse devaneio. Mas, se ele diz de nós e da vida, o certo é que eu não o conclua. Não, o certo não, o adequado é que eu não o conclua. Não me atreverei a julgar o que venha a ser certo ou errado nessa cartilha de infinitas possibilidades de combinações delimitada pela linha imaginária chamada tempo, que alguém muito sagaz teve a destreza de criar. E não o concluirei justamente para deixar um gosto e uma sensação estranha. A mesma impressão que a vida provoca em mim sempre que me pego tentando decifrá-la. Ela sempre me golpeia dessa forma. Sempre me deixa uma reticência, uma falta de fim. O que torna a experiência de existir estritamente singular e paradoxal. Se, por um lado é bom que não tenha conclusão – estamos em constantes mudanças, movimentos, ventos –, por outro prova, da maneira mais explícita (ou pelo menos deveria provar), que só sabemos que nada sabemos. Se hoje fosse o meu último dia de vida, eu diria que sai dessa experiência de viver cheia de incertezas, encarando as infinitas possibilidades com o mesmo medo que tinha quando me introduziram neste mundo. Mas agora, me atrevo a sorrir frente a elas. E, sinceramente, não sei se isso faz alguma diferença. 

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