O tempo, esse velho astuto e
rude, me deixou com a garganta seca. Eu tentei respirar fundo, prender o ar por
alguns segundos e depois soltar, vagarosamente. Infelizmente, imersa na
realidade. Tudo que tive foi aquela Frida me dizendo o que fazer. Deixar pra
trás e seguir, é o que todos fariam. É o que se deve fazer. Sim, claro.
Elementar, não fosse a lei independente que rege um psicológico meio fodido de
tempos em tempos. Eu quase não tive coragem de dizer algumas verdades pro
espelho depois que tudo passou. Eu sempre achei que apontar os erros com o
indicador imperativo fosse uma estratégia eficiente de atentado ao pudor da
sanidade. Não funciona realmente. Veja bem, o que acontece é a abertura de uma
fresta por onde espreita a Urgência, esse bicho que insiste em se portar como
uma úlcera.
A verdade é que eu tentei fugir
de várias maneiras, mas eu nunca me deixei escapar pela janela do ônibus, aquela greta por
onde você baforava a fumaça do seu cigarro. Eu quis me disfarçar de ponto cego
pra você tropeçar na rua e quebrar um dos tripés da sua vida, eu só não consegui
ser tão má. Eu não sei o que me faria sentir mais viva: espalhada fumaça cinza
em seus pulmões ou usar aquela fantasia pra qual você não suportaria olhar. Em
vez disso, eu me fiz sem face, sem nome, sem endereço. Eu morri e nem sei em
qual mês.
Hoje remendada, pouco menos que a
falha. Hoje eu tento me afogar em qualquer teor alcoólico meio raso, pra poder
sentir o estrago aos poucos. Hoje eu me fiz de boba, usando aquela camisa
desabotoada na gola, por onde escapa a falta de ar. Hoje eu sou falta de foco,
falta de colo, hoje eu sou par de meias inutilizáveis pela posição fetal
exigida pelos músculos, que preveem uma atrofia generalizada da vontade. Hoje eu
sou pó, nem lembrança. Hoje eu sou a voz sussurrando perto do martelo pra fazer
ritmar contrações involuntárias de pêlos periféricos pelo corpo, o qual um dia
pôde ser realizado por uma experiência quase concreta.
E é tudo, eu durei enquanto
prestei. E foi pouco. Não mais que noites de um verão qualquer. Eu quase me
devorei na órbita do seu umbigo. Eu deveria. Como eu poderia saber? A verdade é
que, nesse jogo, você se engana ao pensar que saiu ganhando. O tempo dobra a
próxima esquina, você ainda se deparará com a pressa falida e cega. A culpa
também foi sua. E não adianta assobiar alto, o perigo tem bons ouvidos. E
contra nós, meu caro, você é o pior inimigo.
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